domingo, 4 de maio de 2014

Double

Pela manhã a garotinha que venera as borboletas. Quando o sol nasce, e quando o sol se põe. A criatura frágil e amável. Um doce do qual escorre amor em sua forma mais pura. Uma arte, um desejo, um texto. A amizade e a vontade de ser agradável, de alcançar a perfeição. Uma música suave, um piano, e um cigarro mentolado. Um chá, um milkshake, ou um pedaço de chocolate. Um caderninho de bolso, uma caneta caindo e um sorriso no rosto. "Eu gosto de você, e os seus olhos são bonitos". Abraços de graça. Beijinhos no topo da cabeça. Quietinha num canto sorrindo pra janela.

Pela noite, uma avalanche. Uma garrafa de rum, pernas abertas, poucas peças de roupa. Cigarros aos montes, amassados no bolso de trás. Risadas psicóticas. Uma lâmina na língua, uma fuga incalculada. Um suicídio na garganta. A mão que não se limita, que não se basta. E sai percorrendo os becos, os traços, as peles. Lábios que se arrastam e uma música diferente. Uma música de morte, ou de procriação. Mordidas profundas, olhos secos. "Não aguento mais mentir sobre você, eu vou morrer". Um corpo que se joga no caminho, e que se queima.

Duas faces. Os dois lados da mesma moeda. Uma margarida e uma rúcula. O sol e o frio. O vazio de não ser alguém, de ser fase. De mudar a cada passo, a cada respiração. Um, dois, sim. Quatro, cinco, não. Hm, dou, sim. Quarto, cinto, não. Talvez.

Não quero ser concreta, só quero ter companhia...
Quando leve, quando chumbo, quando pó.
Quando corpo, quando sussurro, quando só.
Não quero ser alguém.
Não quero existir.
Só quero sentir alguém.
De verdade.

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