terça-feira, 27 de maio de 2014

Poeira

  Hoje seus olhos já não me foram convidativos, nem mesmo perturbadores. 
  Senti um suave desgosto pela sua existência, mas nada desabou em lugar algum. Meu ponto final pendulou no céu, e estava entregue. Como um coração que saísse pulsando pela guela acima, por cerca de um minuto e meio.
  Não me atrevi a tocar-te, ou mesmo deixar escorrer de mim qualquer resquício de afeto. Restou apenas uma simpatia elegante de letra maiúscula iniciadora de capítulos. E é assim que deve ser.
  Você deve estar na página seguinte como mero enfeite ilustrativo, como a sombra da árvore número três na floresta incrivelmente interessante em que alguém fez o favor de se perder - para que assim houvesse algo a ser escrito. Não tronco, nem flor. Nem vento, nem borboleta. Apenas uma folha de inverno, caída entre outras mil. Vírgulas do meu passado, e no seu caso apenas um ponto necessário no lugar das reticências.
  Um contexto a ser modificado. Um instante ultrapassado no ritmo disforme em que eu sinto a vida.
Hoje você durou apenas alguns segundos. E não tardando muito para esta memória se derreta incolor nas minhas veias, escrevo mais um adeus às tuas coisas.

  Expiro-te do meu pulmão, e segue uma tosse. Só há fumaça onde você está. Minha mente há de superar essa poluição.

Nenhum comentário:

Postar um comentário