quinta-feira, 30 de abril de 2020

Reflexo

Te guardo contra a minha vontade
Não sei teu nome
Não me recordo
Tuas histórias não são mais do meu agrado

Reciclo este texto
Para manter vivo o legado
Que guardo
Para, morta,
Ter o que servir aos demais
Senão à terra o pó para compô-la

Decoro a tua imagem vaga 
Um resquício de uma figura completa
Um desfoque sob meu manto perene
Talvez registre uma frase
E com essa amostra de som
Descubro a tua voz
Que já não conheço
Já não sei quem és

Não quero conhecê-lo
Não quero saber teu nome 
Ou recordá-lo
Das fotos, discos, capturas
De cheiros, ecos de toques antigos
Ou texturas
Que adormeceram minha pele
E que me puseram hoje
Neste corpo;
Uma casa mal-assombrada 
Que eu devo amar e venerar

Deixo que se diluam resíduos
E se tento mantê-los
Escorrem por entre meus dedos como água
Já não reconheço
Não sei as minhas histórias
O berço de minha memória
É violado
Não o conheço
Não sei de seu rosto ou trato
A imagem de seu retrato é uma foto em branco
Na mesa ao lado

Não tenho nome
Não tenho um luxo
Nunca nasci de fato 
Nunca estive aqui para te conhecer
Nem mesmo tenho face

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