quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Camile

Camile era um espírito, branco. Queria um fundo preto, mas não tinha tinta preta. O fundo poderia ser azul, e ela queria que fosse escuro, mas tornou-se lilás. Suave. Como a melancolia. Camile teve antes pele. E dois buracos no lugar dos olhos, brancos. Como sua alma. Queria que os olhos fossem negros, mas não tinha tinta preta. "Castanhos?", pensou. Não tinha tinta marrom. "Azuis?" Não. Nem verdes. Não queria olhos claros. Nem mesmo acinzentados. Vinho. Olhos avermelhados. Cor profunda, simples. Racional, até. Os dois olhos de Camile posicionaram-se corretamente, e anômalos ousaram razoável simetria. Camile passou a ter olhos. Mas não olhava. Tinha mãos em forma de garra, quase despropositadamente. Queria a princípio segurar uma flor. Margarida, camomila. Camomile, Camile. Teria um dedo levantado, onde estaria a flor. E todos os dedos se levantaram, como se por instinto de defesa, a mão se preparasse pra atacar. Um muro verde, e um leve caos no fundo. Camile precisava de cabelos. Castanhos? Não havia tinta marrom. Ruivos não. Nem loiros. Camile queria um cabelo colorido. Mas o caos lilás atrapalhava tudo. Tornou-se loira, castanho-esverdeada com uma mexa azul, sutil. Seu cabelo era deliciosamente suave. Como todo o resto. Ganhou um esboço de nariz. Camile em dado momento estava pronta, satisfeita. Levemente apática, todos diriam. Vazia, até. Faltava a sua flor no dedo, mas num instante ela desistiu. A flor tornou-se o pingo do seu "i". Camile. Seu nome em letra cursiva foi desenhado abaixo de sua mão. E foi a primeira a ter nome, de fato. Foi a primeira de quem eu gostei.

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