domingo, 15 de março de 2015

Emília muda

Você sumiu na minha noite de sexta-feira,
Morreu no meio da semana,
Suicidou no começo do fim do ano,
Da minha vida.

Eu sempre achei que você iria dessa vez
Mas você não conseguiu,
Você nunca conseguiu morrer,
Nem eu.
E olha que a gente tentava todo dia.

Toda vez que alguém que eu amo some,
Eu acho que essa pessoa vai morrer.
E você não muda muita coisa.

É essa dor que me invade nas madrugadas,
A tristeza de perder todos vocês.
A companhia que me abandona por dias,
Por semanas e meses.
Há anos que eu já não falo com alguns.

Às vezes a solidão bem me devora.
Não apenas goteja na têmpora do dia a dia.
Doi. Rasga. Acumula.
Me maltrata e me aperta,
Como lateja o dedão depois da topada na quina.

E um verso pra ser bom tem que machucar.
Como pra existir eu tenho que ficar só.
Muito só.
Completamente só
(e triste).

Está vendo?
Eu abandonei tudo que eu era.
Eu me deito toda noite pensando
em como nunca vai doer na manhã seguinte,
Em como eu não sinto agora
os desesperos da semana passada,
Em como não mais me sufoca amar você.

Tenho tudo de que eu preciso,
Bebidas, cigarros, lâminas.
Tenho material pra suicídio,
Caminhos para as drogas,
Dinheiro.
Tenho você sempre, todos os dias disponível.
Mas não arde,
Não queima nas entranhas,
Não perfura os átrios e ventrículos.
Tenho tudo, mas me falta o desespero por viver.

Viver, viver.
Enquanto eu dizia que queria a morte,
E estava disposta a essa aventura,
Eu buscava enlouquecidamente a vida.
Buscava uma forma de senti-la me atravessando no meio da rua.
Como os carros na frente dos quais
eu me jogava - e ria,
ria louca, ria pela satisfação genuína
de não ser pó.

Hoje eu classifico esse passado como doença.
Deficiência, imaturidade, lapso.
Às vezes eu choro de saudade,
Às vezes choro porque não sei quem sou.
Parei de chorar só porque não sofro de amores por você
(quando eu sofria era mais sorrisos do que choro).

Minha caminhada de gente grande ainda é falha.
Não me deixa aqui sozinha. Não me deixa.
Que eu preciso todos os dias me lembrar que não posso sofrer
Nem me desesperar.
Hoje eu não posso mais pensar em morte
Ou cogitar sentimentos verossímeis
Por mero capricho.

Eu desisti de tudo em que eu acreditava.
Desisti até do amor.
Desisti da graça que eu via em me matar.
Sou Emília, a boneca antes da pílula.
Quieta, morta. Colorida.
A menina matriculada.
Calada, calada. Com sentimentos que nunca ferem.

Alcancei tua calmaria e aceito isso
(não há outro caminho).
Mas ainda preciso encontrar alguma coisa.
Qualquer coisa.
Não sei o que é, mas preciso encontrar.
E vou ter que encontrar sozinha
e muda.

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