O que é a vida
Dor que alimenta
Contradiz e quebra
Faz pó de nós
A poesia, como todo o resto
Não faz sentido algum.
Quarto, roupas e cama
Cheirando a cuidados básicos negligenciados
Depressão
Desjuízo
Vida resolvida
Por dentro o fim
Na rua
Só resoluções
Criando alicerces frágeis
Assistindo a lenta decomposição
de meus quadros
Seguindo aquela pessoa
que não deveria
Por que nunca houve outra
E é essa ofensa
que me rende punição
Por conta dos olhos revirados
E uma falta de ar abstinente
Faço de minha água um corrosivo
E engolindo eu busco
A purificação
É preciso que me dilacere
Célula, partícula
E se pudesse desfaria o átomo
Por que não há maneira
De limpar-me
Eu sou o erro
Eu sou o veneno, vírus
Pessoa má.
Os paralelepípedos cheiravam a chuva
O faz de conta era apenas um cano estourado
Viria a tornar-se chuva na manhã seguinte
Dia iluminado
E os bem-te-vis cantariam
Eu não saberia dizer
Se de lamento ou comemoração
Ser quem eu era
Descobrir-me gostando
Do que gostava
E que tinha tanto me tolido
Encolhido sob o tapete
Para não precisar ser
Em um dia chuvoso
Não sentir o gosto de cigarro
Na garganta
Como um desejo crítico
E sim como memória breve
Desgostosa
Do beira-mar de fim de tarde
No dia anterior
Perceber
Que não fazia sentido
Escolher um par de sapatos
Para deteriorarem-se sob meus pés
Ou eleger um nome
E alguma combinação de tecidos
Para me proteger
O cheiro que sentia
No breu da correnteza
E a brisa inacolhedora
Que precedia o pôr do sol
Eram alegorias
Que em seus sorrisos largos
Se debruçavam
Sobre meu ínfimo
E insustentável existir.
Fatio meu pulso esquerdo
Como uma cenoura descascada
Fatias finas, lâmina afiada
Legumes para a salada do almoço
Meus olhos não derramam lágrimas
Eu não sinto nada
Afinal, é apenas uma raiz colorida.
Nada dela escorre.
Seca e crocante,
Talvez eu seja um coelho,
Talvez.
Prometi que seria alguém melhor,
Mas nunca teve importância.
Eu não quero morrer,
Pular de um prédio,
Comer cenoura.
Eu só quero seguir sofrendo,
Doendo e só,
Doendo e só.
Em alguns dias
A vida não tem nada para oferecer
Um doce, um alento, um trauma
Algo de que se lembrar
Em alguns dias,
As pedras no chão são apenas pedras
A poeira no céu cinza
É apenas ar
Os degraus não vacilam sob os pés
Não há nenhuma conclusão brilhante
Ou dúvida cruel
Certos dias não são de amor ou de luto
Com qualquer propósito além do mínimo
Seguir respirando
Aguardando o dia acabar.
Alguns dias, em mim
São natimortos.
Não tento revivê-los
Nunca nasceram.
Nunca existiram de fato
Só são algo
Ao morrer.
Uma fotografia esquálida
Carcaça da minha infância
Meu passado sujo,
Ferrugem
Um plástico verde sob cadáveres
Os pregos pretos gastos
Carimbando em minha memória
Meus muitos dias de vida
Se é que posso chamá-lo vida
Mergulho em frustrações ingênuas,
Esperança vã
Como tivesse sido sempre este chumbo
Deformando-me
Em direção ao magma
Paralisada diante da imortalidade
Se morro e descubro
Que esta existência se segue
Tenho medo da morte
Porque este é o fracasso que mais me assombra
Não poder desistir.
Sou uma resistência inconformada
Um eterno dilema
Entre ser ou não ser
Uma versão barata de hamlet
Uma cópia fajuta
Sou o desejo tolo
Insaciável
De descansar.