terça-feira, 22 de maio de 2018

É

A poesia é para a alma
O que é a vida
Dor que alimenta
Contradiz e quebra
Faz pó de nós
A poesia, como todo o resto
Não faz sentido algum.

sexta-feira, 18 de maio de 2018

Fetish

Você combinou comigo.
Nos encontraríamos às três da tarde, em frente ao portão da garagem do meu prédio.
Eu moro perto da garagem, subsolo, eu te expliquei, mas minha janela dá pra rua.
Às duas e meia eu levanto da cama, lenta e um pouco desmotivada,
É difícil lidar com interações sociais,
Mas eu tenho um bom motivo.
Atrasada, eu resolvo ir tomar um banho.
Tento ser veloz, enquanto meus pensamentos se atropelam.
Será que me sentirei mal?
Será que quero me sentir mal?
Penso se vale a pena me depilar por aquela ocasião,
Se devo seguir os mandamentos feministas,
Se quero gastar o pouco de energia que tenho,
Tentando alcançar um padrão.
A sensação fica melhor quando tá tudo lisinho.
E essa é minha melhor justificativa.
Termino meu banho.
Me enxugo mal, e enquanto pingo pela cozinha, olho o relógio no fogão:
Estranho, ainda faltam dez minutos para as três.
Em exatos nove minutos me visto e me organizo,
Vou até a garagem te esperar.
Repenso e resolvo abrir o portão.
Você está sentado no degrau,
Ao que tudo indica, me esperando faz um tempo.
Me pergunto se você me mandou mensagem,
Se tentou me avisar de alguma forma,
Mas não digo nada.
Sorrio nervosa,
Você sorri de volta.
Quero dizer algo, mas não consigo.
Ainda do lado de fora, nos cumprimentamos com uma espécie de abraço torto,
E então entramos.

Você me observa,
Fecho o portão da garagem,
E você parece estar preparado para este momento,
Porque assim que escuto o clique da tranca,
E me viro na sua direção,
Sinto os seus dedos ásperos tomando meu pescoço
E me prensando contra a superfície acinzentada.
Não sei como reagir,
Tento tossir, mas não consigo,
Você não deixa.
Sinto meu rosto ficando quente e vermelho
E o sangue jorrando pelo meu corpo,
Como se eu estivesse em grande perigo.
Adrenalina.

Escuto passos ecoando no meio do prédio
Tento fugir de você,
Mas estou fraca.
Você coloca a outra mão entre as minhas pernas
E eu deixo.
Você aperta,
Como se eu fosse um objeto,
Como se tivéssemos qualquer tipo de intimidade.
Acho que temos.
Tento gemer, mas tudo que sai de mim é um sussurro.
Não consigo respirar.

O som dos passos de aproxima,
Fica mais rápido
E, antes que eu perceba,
Você me soltou e está encostado na parede distraidamente.
Eu observo tonta uma senhora de salto vir na minha direção
E meio desorientada, percebo que estou no caminho dela.
Levo um tempo para desviar e dar passagem,
Será que ela percebeu alguma coisa?
Ela não parece muito atenta.
Eu respiro como se tivesse acabado de correr uma maratona.
Clique.
Ela saiu pelo portão da garagem.
Eu começo a rir.







domingo, 13 de maio de 2018

Trip vs Isolamento

Eu sou um arbusto
Um amontoado de folhas secas e gravetos
Não quero mais jogar esses jogos contigo
Não sei o que fazer
Não acho que eu vá curar-me
Preferia morar na neblina e nicotina
Dormir ao relento
Com as aranhas e os dogs
Vivo latejando uma dor nas minhas têmporas
O único paleativo que faz sentido
É isolar-me destas pessoas todas
Para manter meu silêncio em 16 linhas

sexta-feira, 11 de maio de 2018

Habitat

Quarto, roupas e cama
Cheirando a cuidados básicos negligenciados
Depressão
Desjuízo
Vida resolvida
Por dentro o fim
Na rua
Só resoluções
Criando alicerces frágeis
Assistindo a lenta decomposição
de meus quadros
Seguindo aquela pessoa
que não deveria
Por que nunca houve outra
E é essa ofensa
que me rende punição
Por conta dos olhos revirados
E uma falta de ar abstinente
Faço de minha água um corrosivo
E engolindo eu busco
A purificação
É preciso que me dilacere
Célula, partícula
E se pudesse desfaria o átomo
Por que não há maneira
De limpar-me
Eu sou o erro
Eu sou o veneno, vírus
Pessoa má.

terça-feira, 8 de maio de 2018

Antagonia

Os paralelepípedos cheiravam a chuva
O faz de conta era apenas um cano estourado
Viria a tornar-se chuva na manhã seguinte
Dia iluminado
E os bem-te-vis cantariam
Eu não saberia dizer
Se de lamento ou comemoração

Ser quem eu era
Descobrir-me gostando
Do que gostava
E que tinha tanto me tolido
Encolhido sob o tapete
Para não precisar ser

Em um dia chuvoso
Não sentir o gosto de cigarro
Na garganta
Como um desejo crítico
E sim como memória breve
Desgostosa
Do beira-mar de fim de tarde
No dia anterior

Perceber
Que não fazia sentido
Escolher um par de sapatos
Para deteriorarem-se sob meus pés
Ou eleger um nome
E alguma combinação de tecidos
Para me proteger

O cheiro que sentia
No breu da correnteza
E a brisa inacolhedora
Que precedia o pôr do sol
Eram alegorias
Que em seus sorrisos largos
Se debruçavam
Sobre meu ínfimo
E insustentável existir.

domingo, 6 de maio de 2018

Sopa

Fatio meu pulso esquerdo
Como uma cenoura descascada
Fatias finas, lâmina afiada
Legumes para a salada do almoço
Meus olhos não derramam lágrimas
Eu não sinto nada
Afinal, é apenas uma raiz colorida.
Nada dela escorre.
Seca e crocante,
Talvez eu seja um coelho,
Talvez.
Prometi que seria alguém melhor,
Mas nunca teve importância.
Eu não quero morrer,
Pular de um prédio,
Comer cenoura.
Eu só quero seguir sofrendo,
Doendo e só,
Doendo e só.

quinta-feira, 3 de maio de 2018

Resilient

Em alguns dias
A vida não tem nada para oferecer
Um doce, um alento, um trauma
Algo de que se lembrar

Em alguns dias,
As pedras no chão são apenas pedras
A poeira no céu cinza
É apenas ar
Os degraus não vacilam sob os pés
Não há nenhuma conclusão brilhante
Ou dúvida cruel

Certos dias não são de amor ou de luto
Com qualquer propósito além do mínimo
Seguir respirando
Aguardando o dia acabar.

Alguns dias, em mim
São natimortos.
Não tento revivê-los
Nunca nasceram.
Nunca existiram de fato
Só são algo
Ao morrer.

quarta-feira, 2 de maio de 2018

Pregobol (ou mais um cemitério)

Uma fotografia esquálida
Carcaça da minha infância
Meu passado sujo,
Ferrugem
Um plástico verde sob cadáveres
Os pregos pretos gastos
Carimbando em minha memória
Meus muitos dias de vida
Se é que posso chamá-lo vida
Mergulho em frustrações ingênuas,
Esperança vã
Como tivesse sido sempre este chumbo
Deformando-me
Em direção ao magma
Paralisada diante da imortalidade
Se morro e descubro
Que esta existência se segue
Tenho medo da morte
Porque este é o fracasso que mais me assombra
Não poder desistir.
Sou uma resistência inconformada
Um eterno dilema
Entre ser ou não ser
Uma versão barata de hamlet
Uma cópia fajuta
Sou o desejo tolo
Insaciável
De descansar.