quinta-feira, 30 de julho de 2020

Abuso

Eu fui chamada de derrotista.
Me disseram ter energia sobrando,
Que eu precisava dar um destino a ela.
A energia me falta, eu respondi.
Você nunca está satisfeita com nada.
Tudo reclama, tudo critica. 
Nunca nada está bom o suficiente pra você.
Foi o que me disseram.

Nunca me deram a chance de provar se eu estava errada. Ou se estava certa.

Derrotista não sou. Não fui, não queria ser. Nunca quis. Eu tinha dentro de mim essa coragem rugindo, gritando e me mandando correr lá pro meio do caos. Onde estivesse acontecendo, era lá que eu queria estar. Onde tivesse algo que pudesse ser alcançado, eu queria ser capaz de alcançar. 

E lá estava eu. No meu silêncio. Dentro da minha mente. Nos meus dez segundos de isolamento acústico que minha mente proporcionava enquanto eu conversava comigo sobre o meu objetivo e sobre o medo que me arrepiava. E no segundo onze, a voz rascante me cortava, me degolava a mente do corpo, me paralizava de mim. 

Era sempre sobre eu ir. Eu tinha que ir e ir e ir. Estava sendo medrosa. Que medo, medo. Que covarde eu era. Que preguiçosa. Que mimada. Que palhaçada e drama. Que inferno. Que droga. Chamando a atenção de todo mundo. Por que não ia logo pra acabar logo com isso? 
ME DEIXA EM PAZ!! O que era paz mesmo?

E eu era a responsável pela minha própria derrota.
Foi o que me ensinaram.
Foi o que me ensinaram.

Eu tinha a intenção de fracassar desde o começo e por isso fracassava, era o que diziam. Que eu fracassaria sempre, sempre. Em tudo que fizesse. Que eu cairia. Me machucaria. Que tudo doía e que tudo doi. E que tudo é fracasso quando você é uma covarde preguiçosa. E eu era uma covarde preguiçosa.


Toda a minha coragem em um segundo descartada como um grão de sal no meio do mar. E eu me afogando. 

A derrota me foi vestida como uma camisa de força, na base da violência, da negação do meu ser e do meu poder ser.

Parte de mim quer dizer que eles ganharam.
Por outro lado, isso seria só mais uma derrota que eles me ensinaram. Perder antes de qualquer batalha contra eles para que eu não os nunca enfrentasse.

Talvez eu parecesse forte demais.

A minha "energia em excesso", ou a minha inacreditável coragem desmedida, para eles que na minha idade andavam com o rabo entre as pernas, ou só o fato de eu estar sempre incansavelmente disposta a questionar TUDO que existia ao meu redor.

Minhas críticas e intermináveis críticas a tudo. Questionar demais é perigoso, disseram os covardes da humanidade. E não contribuíram em nada para ninguém. 

Ela me disse derrotista quando eu disse que da forma que ela descreveu não daria certo. - Eu não acredito nesse sistema. Não funcionou antes. Não vai funcionar agora. - 

Tentei propor soluções, pensar novos caminhos e tentativas, ela não me dava tempo de formar frases, sequer tomava ciência de que eu tinha propostas, de que eu queria propor novas maneiras e ideias. 
E quando em resposta aos meus apelos, eu ganhava um curto tempo de discurso para ser interrompida no meio, ela negava categoricamente cada uma de minhas palavras, como estivesse eu doente de alguma praga raivosa, psicótica, como se fosse eu ter uma ideia algo tão monstruosamente absurdo que a ofendesse eu ter coragem de verbalizá-lo frente a ela. 

Pois que seguia a me sugerir ideias fracassadas que desde o início eu dizia que faziam parte de algo com que não concordava. 
Pois que seguia a sabotar todas as minhas tentativas de alcançar algo. Todos os meus pedidos por ajuda, por apoio, por força ou carinho. O que se pede para uma mãe?


Pois que tecia minha derrota com seus fios raros de violência e trauma. E ao passo que eu tivesse coragem de desmontar com toda a estrutura doentia que é responsável por sustentar os abusos, me dizia estar pregando o negativismo, perda e fracasso. Ver as coisas pelo lado ruim, criticar no lugar de aceitar que me enfiassem punho guela abaixo. 

Derrotismo é enxergar os obstáculos. Falar sobre eles como são. Planejar estratégias. Propor saídas alternativas. Propor novas realidades. Conceber, reconhecer e verbalizar que na realidade em que estamos, fomos, somos e seremos sempre derrotados. E ignorar esta derrota não a torna menos real. Conhecê-la nos torna capaz de derrotá-los.


Eu tenho energia de sobra, mas não para desperdiçá-la. Minha energia tem um propósito de ser. Ela tem vida e pulsa em sua causa, lutando por uma chance de encontrar o seu destino todos os dias.
Minha energia é gasta contra minha vontade, 
Fizessem uma ligação direta, um "gato" na minha light, sequestram minha energia todos os dias,
Por isso me falta tanta, apesar do estoque, e preciso de mais, de muito mais para sobreviver nesse antro sugador de almas.

Eu teria o tanto ideal de pulsar enérgico pela existência, se não fosse diariamente violentada.

Se eu não fosse doente, provocada doente. Como um veneno lento, que não pretende matar, apenas chegar perto, e ficar sempre perto. 

Tudo que disseram sobre mim era mentira.
Eu sou outra pessoa.

Me chamo Alice.


Here I am. Send me.

Dizem que eu sou pessimista.

Não sou. Eu sempre fui bastante otimista. Um pouco assustada às vezes, talvez. Era estranho me descobrir pequena diante das minhas vontades. 

Sempre acreditei ter o poder, e o dever de mudar o mundo. Nunca me fez sentido "aceitar" as coisas como elas são. Algumas pessoas são assim. Eu nunca fui. 

Para desejar mudar o mundo, pôr esforço nisso, decidir agir em moção a essa realidade, é preciso sobretudo acreditar na mera possibilidade de sua existência. E é preciso MUITO otimismo para se deparar com um mundo de intermináveis violências e continuar acreditando que existe luta contra elas. Que vale a pena comprar esta luta, pagar por ela com a vida, se entregar de graça pelos outros. 

Sou otimista. 
Há em mim, muita depressão. Momentos de desgraça e desesperança. Momentos de descrença na humanidade, decepção e revolta. Mas me revoltar contra a maldade é também forma de ter esperança de que exista algo além dela. 
Sou Borderline, tenho altos e baixos, crises e extremos. Tenho momentos de cortes em que nada além daquele segundo relampeando dentro de mim consecutivamente pode fazer sentido. Há realidades que são fortes demais para competir, ou serem vividas em co-consciência com outras. 
Há dores e desesperos que precisam ser vividos solos. Na mais profunda e aguda solidão.

Pensar nisso como um momento, como uma experiência da vida como tantas outras. À qual eu sou capaz de sobreviver, e à qual sobrevivi por tantas vezes. E entender que, mesmo aceitando mergulhar no escuro mais desconhecido de absoluto pavor que exista em minha mente, eu ainda posso queimar ao fim o pavio desta dor, seguir meu rumo, e voltar pro cais, montar minha artilharia;
É, inegavelmente, 
Ser de cego e irremediável
Otimismo.