sexta-feira, 27 de julho de 2018

Jardim

Teu quadro me assiste
Secando em passos lentos
Me sinto uma planta
Encontrando pela manhã
O primeiro raio de sol

Faz pouco tempo que te conheço
Tenho sido seca e morta
Mas teu espírito
Corteja o meu
E me atrevo de novo
A pisar sobre minha dor

Sonhei que te conhecia
Que sentia vida
E roubava os cachorros da morte
Para depois devolvê-los
E partilhar com ela
Os meus estranhos amores

Hoje tive vontade
De estourar o balão que te sufoca
Trazer-te para o chão de volta
Criar raiz, cultivar nosso jardim

Mas o balão é teu
E eu sou uma estranha te observando.

Além de olhos tenho um par de mãos,
Tenho dores que carrego nas costas,
Tenho lábios para te acolher.
Não sou muito,
Não me confio,
Às vezes tenho vontades
E tive algumas quando te vi.

terça-feira, 24 de julho de 2018

sábado, 21 de julho de 2018

Bastidores

Me serve uma bebida
Enche meu copo
Despeja teu corpo torto
Ao meu lado
E sossega o teu enorme peso
Em meus dois olhos.

Eu falo muito de carne
Pouco de espírito
Mas é que sempre fomos tão clichês
Que sempre imprevisíveis

Quando você rugia para mim
E me fincava as garras
Eu gostava e te gritava socorro
Como encenasse
Uma grande comédia

No meio do último ato
Eu fechei as cortinas
E cansada de tantas vaias
A plateia calou-se
Saciada

Pois, agora
Nos bastidores
Onde eles não puderam enxergar
Onde nos calamos nós
E desmontamos as peças
Figurino e maquiagem

Eu te sirvo uma bebida
Em um copo vazio
Sem garras, presas
Ou pupilas dilatadas

Nenhuma tragédia ou ópera
Menino por trás da máscara
Quem sempre foi comigo
Um companheiro de teatro.

terça-feira, 10 de julho de 2018

Carcereiro

O dia cede
E enquanto cessa,
O ímpeto de chorar
Me retorna
Meu universo é um monstro faminto
Que espera alimento
Desde o parto.

Nada é capaz de nutri-lo.
Nada é capaz de matá-lo.

O peso de grossas correntes
Se arrasta
Ferindo o concreto,
Cansando as dobradiças.
O metal de firmes pulseiras
Dilacera-se diante da fúria
Da fome e do isolamento,
Da força como se sustentam
Punhos e pulsos
Dentro de mim.

Meu monstro é sonoro.
Me ocupa o espaço,
Me polui o ser.
Eu sou a sua vontade
E o roncar incessável
De seu estômago.

segunda-feira, 2 de julho de 2018

Cruzoé

Desenha alguma coisa
Bebe um copo d'água
Você não vai morrer
É só uma fase
Lava esse cabelo
Já é tarde
Acende um fogo
Faz uma oração
Pede socorro.
Faz silêncio,
Respira fundo
E resiste
Reside dentro de si
Ocupa o espaço
Sobrevive.

O caos que não te habita
Os seres que não existem
O mundo que para e espera
O seu tempo,
A sua decisão.

Mergulha os tornozelos
Na caneca cheia
Salga as pontas dos dedos
E afoga
Não há resgate vindo
Não há redenção
Enterra o topo da cabeça
Sob a lama
E então respira.