segunda-feira, 30 de outubro de 2023

Meia-Vida

Eu tô sentada na beira do abismo
Não sei por quê
Não deveria,
Mas isso me parece familiar.
Esse lugar, o ângulo e a vista;
A brisa, que atravessa direto
Da minha nuca aos meus pés;
Como uma flecha vetorizando 
Tanto minha coluna
Quanto meu destino.

Aqui no alto tudo congela:
Meus ossos, minha alma;
Então por que me sinto 
um pastel de feira velho?
Um conteúdo esquecido 
numa frigideira queimada
dentro do forno?
Um pedaço de carne
no congelador?

Faz tempo que eu já
Não sou eu.
Que eu já não tenho nome,
Não tenho culhões nem vértebras,
Não tenho massa muscular,
Nem energia, nem certezas,
Nem ânimo, expectativas,
Oscilações de humor ou
Mesmo alegria, medo de morrer.
Medo mesmo, daquele no corpo,
Também não sinto vontade,
De nada, nem de ir nem de ficar,
Nem de querer ter vontade, de nada
Só sinto falta do passado,
Mas o passado está morto.
Eu não existo mais.
Pelo menos quem um dia eu conheci.

Eu tô nessa deriva sem barco
Tem anos demais
Esses remédios, terapias,
Esses excessos de anos, a vida em si,
Os dias estão me matando, e
Como poderia ser de outra forma se
Viver é essencialmente 
Degradar-se dia após dia 
até o fim de si?

Mas eu esperava mais
Ou
Todos esperavam mais;
Esperavam que eu esperasse mais,
E essa espera toda e 
Todo esse tempo amarrada 
numa cama 
que pende à beira de um vazio
infinito e colossal,
E o tempo que parou de ser contado
Há tanto tempo 
que já não me lembro mais.
Me sinto anciã.
Eu não aguento mais.
A insanidade começa exatamente assim.

E se foi aqui que eu comecei,
Eu quero, não, 
eu preciso voltar pra lá
É minha única escolha.
Eu só tenho esse caminho.
Sempre foi meu único caminho.
Todas essas mentiras e enfeites
Só estão me cansando, 
E prolongando uma dor que
Nunca vai passar,
Só está piorando tudo.
Eu não sei por quê 
escolheram isso pra mim,
Por que eu tenho que viver
Nessa eternidade de inferno,
Nessa tortura sem fim.

Mas enquanto alongo minhas pernas
E minhas costas exaustas
De uma longa caminhada que
Eu ainda não fiz
Eu preparo uma escada confortável
Porque dessa vez eu conheço o caminho
E vou descer devagar, 
como um mergulho nas nuvens,
Em vez de saltar de um prédio
Como era antigamente.

Dessa vez eu vou leve com a minha morte.
Aqui já é o fundo,
Até cavar vai me levar pra cima,
Eu vou em paz.


sexta-feira, 27 de outubro de 2023

Gato numa Caixa

Será que tudo bem
Ser corriqueira, previsível?
Porque quando não sou
Ou eu me mato ou mato alguém
Mato uma arte, ou trato alguém de idiota
Que é o meu maior pavor
Se eu ao menos tivesse um teclado
Pra tentar nem digo me expor, mas
Pelo menos me expressar...

Será que tudo bem eu não ser mesmo especial
Que diabo deveria querer dizer
Alguém ser especial?
Eu tenho tentado toda minha vida
Romantizado todas as patologias
Porque é tudo o que eu conheço além de arte
E eu acho arte e me disseram
Que arte é coisa de maluco
E eu sou maluca com certeza, me disseram
Mas isso eu também sabia
Lá pelos meus 5 anos
Quando eu ganhei consciência
De que eu era eu e não todo mundo
Como minha mãe dizia
E ela ria
De tudo tudo tudo que era meu

Será que querer ser extraordinária 
é uma ideia ridícula?
Será que todos sempre vamos morrer sós?
Dentro de nós mesmos, desamparados mesmo?
Não há nada o que fazer?
E se não há, por que eu tô perdendo tanto tempo aqui?
Pra que fazer arte? Pra que tentar?
Pra que tentar me comunicar?
Pra que respirar em qualquer lugar?
Pra que resistir e lutar e viver
Se viver é ser corriqueiro

Acordar toda manhã com tédio, tédio
Ouvir barulho de transporte
Grito, gente vender coisa, 
Nem achar isso bonito,
A gente feia, cheiro chato,
Cansaço, rio de janeiro,
Cidade urbana cinza,
Trem, metro, barca e ônibus,
O resto a pé no sol de meio dia,
Ou das seis da tarde, e se você sabe
E sabe, e se é sexta, você corre
Porque ali tua alma morre, 
Pôr do sol é um inferno,
Final da semana é guerra,
Comida é com inseto, fila e cotovelada,
E alguém sempre com fome do teu lado
E a vida é isso
E o que eu faço com isso?

Eu tô parada faz três anos.
Trancada nesse quarto minúsculo
A vida lá fora nunca fez sentido pra mim
E precisa fazer sentido?
E precisa viver a vida?
E se eu tiver (e tenho) a opção de não viver mais?
E o que eu faço com isso?
Com a "liberdade"?

A verdadeira liberdade é saber 
que você tem a escolha
de acabar com tudo
(pelo menos pra você)
E também saber que todas as suas escolhas
São exclusivamente suas
Como todas as escolhas dos outros são respectivas
Porém escolhas presumem consequências
E morrer pode não trazer consequências.
Como se pondera isso?

Não consigo passar do Schrodinger da morte.
Estar e não estar viva, é uma hipótese 
que não consigo processar.
E então não consigo tomar uma decisão.

A vida não parece ter nada para mim.
Felicidade é uma possibilidade rasa.
Companhia é um fantasma, 
uma sombra na água que eu tento tocar.
Amor é um abstrato sonho do qual eu tento abdicar.
Não compreendo seu significado.
Sinto meu vazio se espandir em facas
e me dilacerar por dentro.
Simplesmente ser e estar é insuportável, insustentável.
Sinto meu corpo se degenerando de dentro para fora de tanta dor.
Minha coluna se corrompe literalmente 
como se o triplo de décadas já tivessem 
me devorado.
Me sinto uma alienígena percebendo o tempo
em escala diferente dos terráqueos.

Talvez se eu fosse capaz de apenas tolerar
Que nunca será nada além disso.
Que sou um resto de ser me decompondo
Que não há arte, que não há outro, que não há mais,
Talvez ainda me restasse alguns anos
Talvez retardasse o progresso do meu adoecimento,
Ou a dor que me acompanha escalonante
Mas pareço não compreender esse tipo de vida
Se algum dia eu o compreendi,
Já não me lembro.
Gostaria de me lembrar, mas toda vez que tento
Me lembro de coisas que,
Deus sabe o quanto era melhor esquecer.

Talvez eu sempre tenha sido um corpo descartável
Um cérebro descartável
Um nada invisível, ignorável,
Numericamente desprezível.

quarta-feira, 25 de outubro de 2023

Monstro do Lago Ness

Estou me sentindo confusa.
Meu ato performático tem se prolongado
Por tempo demais no palco;
Eu esqueci como se dança.
Esqueci como se abre as pernas
E se entrega a alma,
Sem corromper o espírito
(se é que ainda me resta algum aqui dentro);

Eu deixei que meu cérebro 
Se derretesse inteiro
Escorresse por meus dedos
Como um sorvete antigo, esquecido,
Numa sombra fresca, mas por muito tempo
Eu me deixei esquecer num canto frio
Num canto escuro de mim, 
Por tempo demais.

Às vezes procuro por um backup.
Algum rolo de filme
Que não tenha se perdido na guerra
Ou sido queimado para aquecer um sem-teto;
Uma das diversas vozes 
que vagam na minha cabeça;
Encontro migalhas de mim,
Como flocos de poeira, 
Uma fuligem que tusso
Quando respiro bem fundo,
Que sinto o cheiro das cinzas 
do corpo cremado de quem eu fui.

Eu sabia tocar meus lábios no espelho
Na borracha, no papel, no lápis.
Eu sabia falar, gritar com o ar, comê-lo.
Eu sabia escutar o ronco do meu silêncio,
E suportar, e existir, e suportar, e projetar
O meu próprio mundo de fantasia
No qual viver.
Eu me lembrava do mar,
Quando eu ainda era.
Eu vivia lá. 
Me afogava, navegava, viajava,
Uma pirata, sereia, uma deusa marinha,
Uma espécie de anfíbio. 
Eu era muito amada.
Por mim. 
E nesses anos, quando eu me amava,
Eu existia.

Me lembro de me sentir vazia.
De tudo que eu precisava.
Hoje não faz sentido.
Mesmo que o buraco ainda esteja aqui,
Sinto que não há mais buraco,
Tudo é o buraco, eu sou todo o vazio
Que antes era uma parte de mim.
Não tem mais o que preencher.
Meu pedaço de falta 
Hoje é um infinito
Que me apagou.

Tudo que eu faço,
Tudo que eu tento,
Tudo que respiro,
Me falta algo,
Me falta o espelho.
O reflexo, a prova.
A testemunha de que eu estou aqui.
Não me basta mais ouvir
As vozes. 
Mas não me lembro de conhecer
Nada além.

O mundo é virtual.
Eu sou uma projeção de imagem,
Um espectro.
Estou entre lá e cá.
Sou uma transição.
Não sei como ir, nem como voltar.
Também não sei pra onde.




sexta-feira, 20 de outubro de 2023

A forest in flames

I've been swallowing swallowing swallowing
One pill after the other
I think the problem is not with me
No, I think this ain't my problem
But it is since I've been drowning
My stomach's bursting
And this hole won't fill
Will it need stitches?
When I get to the table,
Or will I be too over for it
To be relevant then?
I don't wanna be frozen, frozen,
Like a little, tiny, meltable flake
That I set to be unallowed on gameplay
Snowy, snowy doesn't let the flowers flourish
I don't wanna perish
My plants are always filled with 
Vampire weeds
My fences are too thin, too breakable
I have zombies, horses, weather;
Sun won't come.
I try to revive them, but it's fifty fifty
I mourn.

I try ice, I wanna feel icy,
Popsicle play.
My headaches give me a break.
It doesn't last.
There's always someone to fuck it all up.
I need a working pill-ow.
I need an endless nap.
I miss the light. I never get to see the light.
My skin feels sick.
I miss the sun and sea.
The salt, the water,
And pretending 
to be a mermaid that gets drowned
I am perhaps a mermaid getting drowned
Out of air.
I miss the plants, the dirt, the earth, 
the nature.
I miss the moon.
The stars. Are they even there still?
I couldn't know. I haven't seen them in years.

What kind of world is this where I live?
A prison? A torture device?
A virtual reality?
Am I even alive?
Am I real? Am I even someone?
Or am I just a piece of a thing?
Is it even possible to kill myself if I tried?
What does it mean to die?
Do I have an alternative rather than be dead?
I believe he said one true thing.
That this is the true hell. 
And there is no escape.

I take one pill after the other.
I try not to go insane.
I believe I am trapped in here.
There's no way out.
I will never die.
I will spend eternity like this.
Will only get worse.
But worse is only more of this.
Nothing ever changes.
Hell is a cycle. I'm in it.