quarta-feira, 4 de novembro de 2020

Lar

A população da minha casa me assombra
Família
Que diabo de nome é isso?
Não tem estilo com comida no prato — e olhe lá
Eu queria um pouco de paz
Rogo
Não sei se desacostumei
A conviver com os demônios de alma
Que os de pele e carne eu tô aqui vivendo
Pregando baixinho baixinho
Meu nome na cruz

Quase não como hoje
Vai ver comi e esqueci
Que aqui só tem isso
Dinheiro e comida
Às vezes eu deixo lá pras formigas
As traças tomaram conta do meu quarto
É mais delas que meu agora
Acho que elas tão vindo me devorar

Eu tenho medo que essa casa é velha
E quando eu tomo banho escuto coisas
E quando eu tô dormindo rompem gritos 
E há um momento em que não mais me lembro
Se de fato tenho onde morar 
Se moro
Se tô no meu corpo viva
Se eu vou acordar

As pessoas-paredes
Toda uma extensão etérea de sons
Reverberados na acústica
Os outros daqui me assustam
Não sei se partir me some
Se ficar me mata
Nem sei se existo ou se há de fato
Outra voz além da minha mesma
Sei que não gosto daqui

sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Destinatário

Guardo minhas coisas em caixas

Em bolsas, empacotadas

Doso e estoco esperança

De ter um futuro fora daqui

Limpo, organizo, etiqueto

Faço inventário

Tento manter um diário

De tudo que tenho

Tento seguir

Tento não me perder

Nas coisas, dias, horários

Não só me manter aqui


Listas sobre listas

Pro meu corpo cansado

Que tentam ser combustível

Pro meu espírito cansado

Me manter viva

Pra me manter ativa

Mesmo sem saber o que fazer


Me guardo em caixas

Em bolsas, empacotada

Sou um pacote pra entrega

Me mantenho assim

Não tenho destino certo, mantenho em branco

Com uma condição: que seja bom

domingo, 25 de outubro de 2020

Pé florido

 Eu queria me afogar, mas a maré tava baixa. 

A água era um tapete fino de tristeza sobre meus pés, 

Que não acabava nunca,

Para todos os lados me forrava o chão

E apenas o chão

E tudo que eu poderia pisar


Descalça, carregava meus sapatos,

Não me carregava

Ignorava meus gritos

Enquanto eu corria, me engolia em silêncio

Eu morria ao andar


O luar me traçava uma linha

E eu a seguia

Como me levasse a algum lugar

Buscava o fundo do chão

Uma cova, um breu

Buscava me afogar


Mas a maré tava baixa

E meus tornozelos não sentiam nada 

E quando eu vi estava parada no meio do vazio do mar

Esperando ele me engolir

E ele estava sem fome.


Nada é mais real do que o peso da minha carne e dos meus ossos me puxando pro chão.

quinta-feira, 30 de julho de 2020

Abuso

Eu fui chamada de derrotista.
Me disseram ter energia sobrando,
Que eu precisava dar um destino a ela.
A energia me falta, eu respondi.
Você nunca está satisfeita com nada.
Tudo reclama, tudo critica. 
Nunca nada está bom o suficiente pra você.
Foi o que me disseram.

Nunca me deram a chance de provar se eu estava errada. Ou se estava certa.

Derrotista não sou. Não fui, não queria ser. Nunca quis. Eu tinha dentro de mim essa coragem rugindo, gritando e me mandando correr lá pro meio do caos. Onde estivesse acontecendo, era lá que eu queria estar. Onde tivesse algo que pudesse ser alcançado, eu queria ser capaz de alcançar. 

E lá estava eu. No meu silêncio. Dentro da minha mente. Nos meus dez segundos de isolamento acústico que minha mente proporcionava enquanto eu conversava comigo sobre o meu objetivo e sobre o medo que me arrepiava. E no segundo onze, a voz rascante me cortava, me degolava a mente do corpo, me paralizava de mim. 

Era sempre sobre eu ir. Eu tinha que ir e ir e ir. Estava sendo medrosa. Que medo, medo. Que covarde eu era. Que preguiçosa. Que mimada. Que palhaçada e drama. Que inferno. Que droga. Chamando a atenção de todo mundo. Por que não ia logo pra acabar logo com isso? 
ME DEIXA EM PAZ!! O que era paz mesmo?

E eu era a responsável pela minha própria derrota.
Foi o que me ensinaram.
Foi o que me ensinaram.

Eu tinha a intenção de fracassar desde o começo e por isso fracassava, era o que diziam. Que eu fracassaria sempre, sempre. Em tudo que fizesse. Que eu cairia. Me machucaria. Que tudo doía e que tudo doi. E que tudo é fracasso quando você é uma covarde preguiçosa. E eu era uma covarde preguiçosa.


Toda a minha coragem em um segundo descartada como um grão de sal no meio do mar. E eu me afogando. 

A derrota me foi vestida como uma camisa de força, na base da violência, da negação do meu ser e do meu poder ser.

Parte de mim quer dizer que eles ganharam.
Por outro lado, isso seria só mais uma derrota que eles me ensinaram. Perder antes de qualquer batalha contra eles para que eu não os nunca enfrentasse.

Talvez eu parecesse forte demais.

A minha "energia em excesso", ou a minha inacreditável coragem desmedida, para eles que na minha idade andavam com o rabo entre as pernas, ou só o fato de eu estar sempre incansavelmente disposta a questionar TUDO que existia ao meu redor.

Minhas críticas e intermináveis críticas a tudo. Questionar demais é perigoso, disseram os covardes da humanidade. E não contribuíram em nada para ninguém. 

Ela me disse derrotista quando eu disse que da forma que ela descreveu não daria certo. - Eu não acredito nesse sistema. Não funcionou antes. Não vai funcionar agora. - 

Tentei propor soluções, pensar novos caminhos e tentativas, ela não me dava tempo de formar frases, sequer tomava ciência de que eu tinha propostas, de que eu queria propor novas maneiras e ideias. 
E quando em resposta aos meus apelos, eu ganhava um curto tempo de discurso para ser interrompida no meio, ela negava categoricamente cada uma de minhas palavras, como estivesse eu doente de alguma praga raivosa, psicótica, como se fosse eu ter uma ideia algo tão monstruosamente absurdo que a ofendesse eu ter coragem de verbalizá-lo frente a ela. 

Pois que seguia a me sugerir ideias fracassadas que desde o início eu dizia que faziam parte de algo com que não concordava. 
Pois que seguia a sabotar todas as minhas tentativas de alcançar algo. Todos os meus pedidos por ajuda, por apoio, por força ou carinho. O que se pede para uma mãe?


Pois que tecia minha derrota com seus fios raros de violência e trauma. E ao passo que eu tivesse coragem de desmontar com toda a estrutura doentia que é responsável por sustentar os abusos, me dizia estar pregando o negativismo, perda e fracasso. Ver as coisas pelo lado ruim, criticar no lugar de aceitar que me enfiassem punho guela abaixo. 

Derrotismo é enxergar os obstáculos. Falar sobre eles como são. Planejar estratégias. Propor saídas alternativas. Propor novas realidades. Conceber, reconhecer e verbalizar que na realidade em que estamos, fomos, somos e seremos sempre derrotados. E ignorar esta derrota não a torna menos real. Conhecê-la nos torna capaz de derrotá-los.


Eu tenho energia de sobra, mas não para desperdiçá-la. Minha energia tem um propósito de ser. Ela tem vida e pulsa em sua causa, lutando por uma chance de encontrar o seu destino todos os dias.
Minha energia é gasta contra minha vontade, 
Fizessem uma ligação direta, um "gato" na minha light, sequestram minha energia todos os dias,
Por isso me falta tanta, apesar do estoque, e preciso de mais, de muito mais para sobreviver nesse antro sugador de almas.

Eu teria o tanto ideal de pulsar enérgico pela existência, se não fosse diariamente violentada.

Se eu não fosse doente, provocada doente. Como um veneno lento, que não pretende matar, apenas chegar perto, e ficar sempre perto. 

Tudo que disseram sobre mim era mentira.
Eu sou outra pessoa.

Me chamo Alice.


Here I am. Send me.

Dizem que eu sou pessimista.

Não sou. Eu sempre fui bastante otimista. Um pouco assustada às vezes, talvez. Era estranho me descobrir pequena diante das minhas vontades. 

Sempre acreditei ter o poder, e o dever de mudar o mundo. Nunca me fez sentido "aceitar" as coisas como elas são. Algumas pessoas são assim. Eu nunca fui. 

Para desejar mudar o mundo, pôr esforço nisso, decidir agir em moção a essa realidade, é preciso sobretudo acreditar na mera possibilidade de sua existência. E é preciso MUITO otimismo para se deparar com um mundo de intermináveis violências e continuar acreditando que existe luta contra elas. Que vale a pena comprar esta luta, pagar por ela com a vida, se entregar de graça pelos outros. 

Sou otimista. 
Há em mim, muita depressão. Momentos de desgraça e desesperança. Momentos de descrença na humanidade, decepção e revolta. Mas me revoltar contra a maldade é também forma de ter esperança de que exista algo além dela. 
Sou Borderline, tenho altos e baixos, crises e extremos. Tenho momentos de cortes em que nada além daquele segundo relampeando dentro de mim consecutivamente pode fazer sentido. Há realidades que são fortes demais para competir, ou serem vividas em co-consciência com outras. 
Há dores e desesperos que precisam ser vividos solos. Na mais profunda e aguda solidão.

Pensar nisso como um momento, como uma experiência da vida como tantas outras. À qual eu sou capaz de sobreviver, e à qual sobrevivi por tantas vezes. E entender que, mesmo aceitando mergulhar no escuro mais desconhecido de absoluto pavor que exista em minha mente, eu ainda posso queimar ao fim o pavio desta dor, seguir meu rumo, e voltar pro cais, montar minha artilharia;
É, inegavelmente, 
Ser de cego e irremediável
Otimismo.





quinta-feira, 30 de abril de 2020

Reflexo

Te guardo contra a minha vontade
Não sei teu nome
Não me recordo
Tuas histórias não são mais do meu agrado

Reciclo este texto
Para manter vivo o legado
Que guardo
Para, morta,
Ter o que servir aos demais
Senão à terra o pó para compô-la

Decoro a tua imagem vaga 
Um resquício de uma figura completa
Um desfoque sob meu manto perene
Talvez registre uma frase
E com essa amostra de som
Descubro a tua voz
Que já não conheço
Já não sei quem és

Não quero conhecê-lo
Não quero saber teu nome 
Ou recordá-lo
Das fotos, discos, capturas
De cheiros, ecos de toques antigos
Ou texturas
Que adormeceram minha pele
E que me puseram hoje
Neste corpo;
Uma casa mal-assombrada 
Que eu devo amar e venerar

Deixo que se diluam resíduos
E se tento mantê-los
Escorrem por entre meus dedos como água
Já não reconheço
Não sei as minhas histórias
O berço de minha memória
É violado
Não o conheço
Não sei de seu rosto ou trato
A imagem de seu retrato é uma foto em branco
Na mesa ao lado

Não tenho nome
Não tenho um luxo
Nunca nasci de fato 
Nunca estive aqui para te conhecer
Nem mesmo tenho face

domingo, 2 de fevereiro de 2020

Iansã e os gatos

Bad places, bad places
Eu quero morrer
Morrer em você
Pessoas tomando banho
Numa piscina de plástico
A chuva desabando
Eu sou a água
Eu fecho os olhos
Tudo para
Os pássaros
A vida
Nós

sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

Don't go outside

I blink
He slips
Between my fingers
No time to think
Too high to catch
Too tight to breathe
Too far to reach
I'm yelling on the streets
Please come back
Please come back to me
You search for a cat
You meet someone
You've seen the sky
Why would you be back?
You puke white on the table
On my table
Stubborn
I'm dying inside
I'm full of rage and grief
I'm terrified
I cry
I sleep and fight
You're punished in the dark
My punishment is to be alive
I don't deserve you
She made me believe it
I thought I was strong enough
But I'm a little bug
And as for her
I would have never seen you again
I wouldn't leave you
I wouldn't leave you
As she left me
I wouldn't leave you
I didn't shed a tear
As I was calling your names
Baby come home
Please make him come back
Safe to me
I prayed for you
You were eating a wall
I was eating myself
No bananas
You never liked them
My legs were falling appart
I saw your feathers
Through the holes
Between the bars
You were calm as a buddhist monk
A regular day
I forgot to breathe for a second
Did I deserve air?
Should I stop my heart from beating?
I woke up all night long
Please don't fly all crazy everywhere
I don't mean to hurt you
Stop eating this god damn fucking wall
I love you
I love you
I love you
Please don't hate me
Please don't leave me
It's not a good moment to go outside

quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

Fly Away

Lemon, lemon,
Lemonade
Sweet soda
Wewi bubbling
Those teeth marks
On my water bottle
I carry someone else's son
Pretend I'm not a nazi abortionist
A punk dictator
Baby murderer
A dying soul
Doomed, cursed
I smile next to a yellow cage
To a yellow species
I tell him about the rising of the sun
But every day goes down
And with the fall
I drown in the dark
Try not to choke
On the absence of smoke
Keep it on three
Keep myself free
But now I have gray

quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

Heroína

I think I might have eaten my own heart

Tento pressioná-lo contra você
Dentro de mim, acelerado,
Chove a poluição no centro da cidade,
Porque estou vazia.
Vazia por dentro:
Sem você tentando me arrancar
Pra fora de mim.

Eu peço, quero ser sua sobremesa
Depois do almoço, o lanche, e seu jantar;
Você me come sem talheres no café da manhã,
Deixamos os pratos na pia,
Você é o que me faz acordar.

Quando você me disse que eu seria sua;
Que pagaria o preço, por mais alto que fosse,
Eu não achei que você fosse tão imenso;
Você é o infinito:
Se expandindo dentro de meu peito.
Quase que não me sobra espaço
De respirar.

Dormimos entre suor e lençois sujos,
Somos sujos.
Trocamos cobertas e olhares ariscos,
Hálito de menta e perfume nos pulsos.
Desisto de pentear seu cabelo
Pois você é lindo demais para ser retocado,
Lindo demais para não ser tocado,
Você é um ser etéreo;
My drug of choice.

Eu te mostro meus sisos
E o comprimento de minha língua,
Sentimos os cheiros um do outro
Como animais,
Minhas risadas estúpidas
Competem com teus sorrisos constrangidos;
Você é um ser extraordinário:
Nunca vi nada parecido.
Espero que você se sinta como tal.

Nada me tira dos teus braços.
O mundo desaba ao meu lado
E ainda sou sua,
Minhas pernas bambeiam exaustas
E ainda sou sua,
Minhas pálpebras despencam sobre os olhos,
Eu posso senti-lo nas pontas de meus dedos quentes,
Eu sou completamente sua.
Até as minhas memórias.

domingo, 5 de janeiro de 2020

Rainha dos Raios

Acordo e visto minha cauda rosa
Começo meus dias na piscina
Como meus dias fossem assim há eras
Como fizesse uma década
Que eu te conhecesse
E vivesse minhas tardes chamando chuva
Pra dançar debaixo d'água
Entre os raios da deusa
Dedicando o fim dos meus dias
A ouvir sua voz
E ser tua
Como fizesse proposta
Mora aqui comigo,
Nesse infinito
Fenda temporal com tempestade
E sol ardente pela manhã
Eu te prometo as noites
De maior felicidade
E cansaço
De tanto nos mergulhar
Eu quero olhar teus lábios de novo
Te assistir sorrindo, um evento cósmico
Não beijá-lo de olhos fechados
Quero poder te admirar
Coragem, menina
Espera mais um pouco,
Fica na água.
A chuva passa
E nenhum raio ainda me pegou.
Tem que ser porque sou sua
Porque quero ser sua
Porque mal posso esperar pra voltar pra você.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2020

Abacaxi

Fermento tua saliva
Debaixo da minha língua
Os pelos no teu queixo
Tudo é quente
E minha boca borbulha
Eu te engulo sóbria
Os teus olhos sempre sorrindo
Rindo de mim,
Para mim,
Me atravessando e olhando além
Existindo apesar
Do meu pesar
Do meu peso
De mim
Em alguma veia
O comprimido se derrete
Dormente refresco debaixo
Me arde a ponta
Eu quero te lamber inteiro
Sentir o gosto da tua beleza
De como meus olhos gostam de te olhar
De como minhas bochechas gostam
De ter seus cabelos arrastados por elas
O silêncio da noite
Sufoca meus ouvidos
Quando não ouço sua voz
Eu quero que seja picante
Quero a gota de sangue
Me pendurar no mármore
Do parapeito
Quero você deitado sobre os meus
Quero você montado sobre mim
E me desmanchar entre os teus lábios
Explodir em raiva monogâmica
Ter medo e coragem
De cravar meu nome na tua loucura
Arriscar o maior risco dos riscos
O de tentar alcançar
Meus desejos
Desejar você
Me desligo da vida
Por mais horas
Na cama antiga
Contaminada
Quero ter a sorte
De morrer sabendo
Sobrevivo à dor
E à falta de morte
Quero ter a sorte
De ter te conhecido
E sentido o gosto da tua língua
Fermentando a minha saliva
Como uma bebida cítrica
Sabor abacaxi