sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

Dálmata +++

Não sei quando você nasce.
Você costumava ser doce;
Talvez tenha sido o momento
Em que eu te abri a cabeça,
com uma pancada a ferro
e o peso de meu corpo 
ainda bem pequeno, porém,
o seu ainda menor:
Foi um dia vermelho.

Em que mundo eu te conheci?
Quem você foi antes de eu te matar?
Antes de eles te alcançarem?
De corromperem seu espírito
em uma nuvem letífera?
Quantos anos você já era
quando decidiu que queria ser isto?

Nunca te conheço.
Nem meu sangue,
nem meus ante-nomes,
Menos ainda tua mente,
O que te move,
O que me adormece
ou me embriaga
Teus sussurros e
códigos malditos
O que dá carga aos teus punhos,
contrai tuas mandíbulas
O que te inspira o roxo que as causa,
E os versos que me expele,
E o silêncio que me aprazes,
Frio como a superfície do gelo
fazendo-se uma cola sobre a pele humana,
tentando arrancá-la,
Vazio e distante
Qual o pico do breu da madrugada
De lua nova
Onde a única coisa que se ouve
É um nada tão alto, tão imenso,
Tão sonoro,
Que é quase tateável na brisa
A frequência dos cacos do meu espírito
Se partindo
Antes que eu me parta.

...

Mas você não notaria, não é?

Você não nunca soube meu nome.
Nunca me viu nascer.
Quando você chegou, 
meu mundo já era, e continuou a ser.
Eu te convidei
inúmeras vezes;
Você quase veio,
mas nunca entrou.
Talvez você tenha tentado,
Eu nunca vou saber 
se aquilo foi uma tentativa
de uma invasão
Você não me compreendia.
Eu sentia que sim
Mas era eu que enxergava seus olhos,
E não o contrário.
Eu sempre cometi esse mesmo erro.
Muito você compreendia.
Mas nunca compreenderia
que eu compreendia igual.
Que eu era um espelho estranho da sua existência.
Ao seu ver eu era um extra– :
um extra-vila,
um extra-território,
um extra-associado,
um extra-terráqueo.
Eu nunca soube se
Algum dia você realmente
quis me descobrir
Ou se você estava 
tentando me demolir.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

Tesoura

Eu
Sou um punhado de brasa
Que chamusca na sua faísca
Um fuzível que queima
E desarma o painel elétrico
Uma lâmpada que estoura
Salpica seus estilhaços
O molhado gélido do mármore no refratário 
Saído direto do forno
O secador de cabelo na banheira
A corda da cortina...
A corda.

Você é o estampido da bala de festim.
É o que o fogo de artifício é para os cães.
O que são as palmas para os pássaros domesticados
E o que o som do carro é para os pombos domésticos.
É a energia que causa o olhar que eu vejo
nos cachorros que eu conheço, 
ao ver um celular
E bichos silvestres ao se depararem com câmeras
É o motivo pelo qual não se deve fazer movimentos bruscos,
ou correr, perto de animais
É o que era pra ele
Algo caindo no chão,
Um grito,
Qualquer objeto estranho,
Seringas,
Remédios,
Frutas,
Vegetais,
Em geral o escuro,
Lugares desconhecidos,
Ficar só,
Insetos,
Gatos,
Cães,
O que eu era para ele,
O que você me fez ser,
O que você era para mim,
Tudo que,
Eu via, quando olhava pra você.

Você é a brasa
Que causa o meu incêndio
E eu coloco gasolina
Até que a casa venha abaixo
Você é a usina
Que fornece energia
para que eu acenda
Todas as luzes da casa ao mesmo tempo
E os aparelhos na mesma tomada
Até que um pane na fiação dê um apagão geral
Você é o escuro
No qual eu me coloco
ao tatear a parede tentando encaixar a tomada
Sabendo o que me espera, 
com os dedinhos entre o metal e o plástico
A gota no quente do vidro fino.

Você é água.

A água que racha, que explode, 
que conduz à — ✃ ~

terça-feira, 14 de dezembro de 2021

Tempo de Vida Útil

Todos os dias eu acordo
Às sete e meia da manhã
Às sete e quinze
Às sete e quarenta e cinco
Às sete e vinte e sete
Eu tenho sonhos estranhos
Sonhos comigo mesma
Com amigos que nunca tive
Com pessoas que nunca vi
Lugares em que nunca estive
Ou pessoas conhecidas
Com as quais nunca fiz questão de sonhar
Sinto que avancei no tempo
Temo envelhecer
Pois minha vida está passando
E perdi 4 anos em segundos sem sentir
Eu estava deslocada no tempo
Ainda não havia passado para mim
E de repente, 
Assim,
Passou
Tudo de uma vez.
E percebi que agora eu já sou outra
Com outras desvontades
Com outros desgostos
Com outras decepções
Com outras concepções
E outros ideais

Não quero dormir à noite
Temo que não haja tempo
Que eu envelheça antes de achar o caminho
De volta pro meu caminho
Ontem dormi de exausta
Tenho sentido muita fome
Pois passo tempo demais acordada
Acho que é por isso,
Não sei dizer
Pode ser o medo
Às vezes também fujo de comer
Não sei explicar essa parte
;
Temo que ao acordar amanhã,
Às sete e meia da manhã
Já tenha passado muitos anos,
Anos demais,
E que eu não possa mais fazer nada
Para me ajudar
;
Ou quando chega a manhã,
Temo que acorde muy tarde
Tarde da tarde
No fim do dia
Com o sol se pondo
E minha vida findando
Sem ter vivido nada,
Sem ter tido um pingo de alegria.

Acordo em sobressalto
Olhos pesados
Hipervigilante
Estômago aflito
Como passasse semanas vazio
Vá fazer algo
Sobreviva
Tento provar pra mim que está tudo bem
Que tudo bem descansar mais um pouco
Que eu preciso desses minutos de sono
Mas de nada adianta
Às oito e vinte 
Inevitavelmente
Estou acordada,
Gastando minha bateria

segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

Territorial

I'm like an animal
spraying my urea scent 
over the nest
to mark my space
to recognize
They say I'm supposed to
search for a
grounding stimulation
But any sort of perfume
takes me to fantasy land
And Wonder is a mazespace I can't afford

So I smell my skin;
my sweat drops,
the critical vinegar 
seasoning my armpits;
I smell my hair,
a wild mess, forgotten for days
wishout a wash or brush,
beggin for care, but still 
quite happy to just be 
(and just be alive);
and yet,

All of this,
what,
You may imagine
as a terrible experience;
My misery of being,
The crudity of humanity, that
ends up being animality;

Proves me:
, like no other thing,
no one,
and no other movement
neither activity could,
That I am alive

I Live
And I can only feel
Because I feel myself
The reality is only real
Because I am real
Because I feel myself
Today is only today
Because I am real
And then I feel today
And then 
I am alive again
And I can live again