segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Heaven

      Ela dançava pela grama molhada, descalça. Girava e sorria. Seu sorriso brilhava como tudo nela. Meu peito como sempre, acelerado. Corri ao seu encontro. Era difícil decidir entre senti-la e observá-la. Giramos juntas. Gargalhamos sem motivo. Nos olhávamos, como se nem estivéssemos ali. Como se não soubéssemos o que era o mundo. A luz nos acariciava docemente. Segurei uma de suas mãos. Corremos, dançamos sem ritmo algum. Nossa sintonia se limitava às risadas. Caímos no chão. Foi possível sentir mais de perto e mais forte o aroma da chuva recente. Mas o céu estava tão claro que ninguém desconfiaria. Rolei e me deitei sobre ela. Observei seus olhos até que pudesse ver sua alma. E subitamente, eles se encheram d'água. Toquei meus lábios nos dela. Deitei minha cabeça sobre o peito dela e deixei minha mão acariciar seus fios castanhos. Deslizei meus dedos em sua face e a senti mais que nunca naquele momento. Ouvi seu coração bater forte. Rolamos na grama novamente e ela me beijou. Segurei sua nuca sutilmente. Quis chorar também, não consegui. Talvez meu coração não estivesse cheio o suficiente. Talvez todos os pedaços estivessem com ela. Nos abraçamos, nos beijamos e adormecemos no meio do nada. Eu não disse que a amava, nem ela o disse pra mim. Não era necessário.
     Nem verdade.

~~ Escute essa música ao ler.

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Amar o amor, morrer.

Um outro futuro morto.

Porém de doce eu agora não tenho nada.

Incerto e insosso

      Olhos azuis, hálito cinzento. Entorpecentes naturais e um líquido escorrendo pela pele. Dessa vez não sangue, mas suor. E as estranhas lágrimas saindo como o rugido do meu leão-fantoche de pelúcia. É uma farsa que deveria ser bela, porém não é. Ainda conservo a esperança de que a situação é passageira. A fé está em falta. Roupas dispensáveis, palavras sem sabor. Acessórios repetidos e o preto como cor habitual. O clima está ameno, as palavras fluem mais suavemente, mas ainda sem muita adrenalina. Sem amor. Algo está errado, todos sabem. Eu deixei bem claro. Chego a estar cansada de repetir as mesmas coisas, mas não tenho para onde me mover. A busca desesperada permanece. Talvez isso seja eterno, só espero uma pausa. Um espaço em branco, um presente concreto no lugar de um futuro incerto. Se a mudança é a lei da vida, quero que mude algo de verdade dessa vez, mesmo que só por enquanto. Cadê a minha mudança?

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Bolo.

   Vou confeitar meu bolo de jiló com as cinzas do cigarro que eu fumei além. A calda pode ser de placenta, do filho que eu não pari, fruto do sexo de que eu me privei. E então eu poderei consumir todo o meu asco em forma de comida, como já me é habitual. Entre essa confusão de dissabores intragáveis, eu posso voltar a pegar meus instrumentos dispensáveis e construir cega e inutilmente maneiras de pensar que ninguém vai partilhar comigo. Não os culpo, nem todo mundo tem coragem de experimentar a mórbida sobremesa, e ninguém deve se obrigar a provar uma segunda fatia. Simplesmente meu senso de justiça não os culpa, mas meu narcisismo insiste que eu devo reger o mundo. De alguma forma minha alma deseja, erotizando-o de uma maneira drástica, que todos ao meu redor não sejam nada além de meus escravos. Devo controlar a ânsia de vômito ou deixar que meu estômago comece o processo de auto-destruição? Repito com tanta intensidade e com tamanha frequência que desejo morrer, que quase já não faz sentido dizer tal coisa. Mas a pergunta se repete diariamente. Por que não? "Estou mal, estou mal." Como um espírito vagante na Terra preso no ciclo doentio da morte. Repetindo as mesmas coisas, sentindo as mesmas coisas, morrendo sempre da mesma maneira. Como me livrar desse modelo vicioso de vida? Isso por acaso é vida? Não consigo mais me permitir vomitar corretamente. As náuseas são constantes e a labirintite provoca enxaquecas insuportáveis. Por mais pleonásmico que isso possa parecer. Talvez uma lobotomia fosse mais confortável do que precisar conviver com tamanha agitação. Eu gosto da paz, não sabe? Gosto da paz do entretenimento sutil. Mas o doentio me persegue, e agora ele tem nome e sobrenome. E anda me matando aos poucos. Socorro, eu repito em sussurros e gritos. Com melodia, ou sem voz. Eu repito e repito socorro, socorro. Até em código. Em acenos de mão, em olhares. A todo momento eu tento respirar. Mas meu estômago embrulhado provoca tamanha dor que já não é possível. Eu tento mais uma vez dizer socorro, mas é inútil. Eu definho no chão por consequência do que eu mesma me fiz ingerir.

Achar esses pedaços da minha alma perdidos no mundo… É tão estranho.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Vácuo

    Como dançar sobre o nada? Uma outra fatia do passado já é quase infértil, enquanto o futuro morto permanece cinza e pouco nítido na memória. A vida já não parece mais uma obra de arte. E as buscas cessam talvez temporariamente. A ignorância interna não permite que os olhos cegos vejam uma nova direção. Talvez seja o medo. Este e o ceticismo são frequentemente responsáveis pela dona má, a infelicidade.
    O tédio tem a cor cinza e assim terão um dia meus pulmões. As correntes ainda aguardam a foice. Eu ainda aguardo.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Sem janelas

     Ar. Ela quase já não sabia definir a sensação de senti-lo entrando e saindo com facilidade. Seus pulmões doiam a cada tentativa persistente de sobreviver dentro daquele espaço tão menor que ela. Ela tentava desesperada e inutilmente se encolher, e assim talvez ela coubesse novamente na própria bolha e fosse capaz de escapar pela própria garganta. Nada adiantava. Cada gota de suor era incômoda. Cada som que não vinha dela mesma era insuportável aos ouvidos. Teve a ânsia de se cortar novamente. Mas como poderia se estava ali tão presa e tão fora do alcance de tudo? Até do ar, até de si mesma. O que estava especialmente fora de seu alcance era a paz. Ela podia lançar a própria cabeça contra o concreto frio da parede. De que adiantaria? Permaneceria presa. E seu desespero tornava o espaço cada vez menor. Era impossível! Impossível conviver com as paredes.
     Era apenas mais um acesso de insanidade. Era recorrente. Ela procurou uma calma falsa no vácuo. Não encontrou. Uma espécie de ataque de pânico. Falta de ar. Mais um blackout.