Ninguém
Não existia
Porém ainda sentia
Vibrava em cada fibra invisível
De minha inevitável degradação
Eu tinha cheiro
Sentia meu próprio cheiro
Sentia meu próprio gosto
O gosto das partículas do ar
Que tentavam me atravessar
E cuja passagem breve era bloqueada pelo meu corpo
Minúsculo
Extenso
Extendido, e desintegrado
Esparramado e multiplicado por quilômetros
E quilômetros
Como as partículas num átomo
Ocupando um espaço necessário
Um espaço de outrem
E quanto mais me encolhia
Mais perto chegava de me tornar
O fim de um mundo
O meu, o deles, alguma ponte no caminho
Eu queria ser nada
Um nada notável
Que notasse-se que era nada
Um pedaço de pedra ou plástico perene
Que em vez de me degradar ou contar minutos
Como uma bomba-relógio
Poluísse apenas
Em harmonia com o século XXII
Queria ser um lixo
Um não declarável no imposto de renda
Um calado e analgésico
Um morto
Anti-burocrático
Um bem não-natural
Ou uma propriedade que ninguém quer possuir
Mas que também não sofre do mal
De desejar ser possuída
Ou de desejar coisa alguma
Eu desejava não ser.
O nêutron, a barbie, o fóssil.
A química tecnológica.
Uma IA.