terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Fuga

        Fugiu. Como era de sua natureza. Correu. Aquele lugar era lindo, ela percebeu um tanto confusa. Se perguntou séria o que estava fazendo ali. Sentiu-se absolutamente sozinha. Solitária. Não era novo aquele sentimento. Quase permanente. Não importava com quem estivesse, ainda se sentia sozinha. Ainda esperava cegamente o momento em que se permitiria amar de verdade. Tudo que ela tinha eram obsessões e fantasias. Ela tinha as palavras. E de que adiantavam as palavras se nunca chegavam à alma de ninguém? De que adiantavam as palavras se nada daquilo conseguia se converter em realidade? Ela queria poder sentir como seus personagens, mas desacreditava nessa possibilidade. Se prometeu acreditar apenas no que ela mesma criava, e assim vivia. Se decepcionando a cada esquina da vida. A cada elogio, um novo futuro surgia em sua mente. A cada sorriso, um novo tamanho para suas expectativas. Ela girava e dançava sobre suas ilusões, até que um toque aleatório da verdade a derrubasse. Os tombos eram dolorosos, mas ela aprendeu a gostar de estar no chão. Pelo menos até que pudesse se levantar novamente. Era tudo tão triste, ela constatou. Desejou que pudesse ser uma garota feliz. Mas ela sabia mesmo era da tristeza, e essa era a maior razão de ela estar tão longe.
      Estava acompanhada alguns minutos antes. Como ela queria a felicidade, como ela gostava da companhia... Mas era muito assustadora a possibilidade de voltar a si mesma. Portanto, decidiu que estaria mais segura se voltasse por conta própria. Não foi menos dolorosa a decisão. Agora estava ali sozinha. No meio daquela beleza silenciosa. Um lugar como aquele provavelmente a teria acalmado, em outra circunstância. Mas não naquele momento. Ela queria gritar, mas não teve força. Seu ódio de si mesma era tanto que ela acabou nem tendo força para permanecer de pé. Estava à beira de um penhasco maravilhoso. Sentou-se ali mesmo, com as pernas balançando a 3.000 metros do chão. Sem pôr as mãos no rosto, ela começou a chorar. Observando as nuvens se moverem vagarosamente, ela deixou que as lágrimas lambessem seu rosto carinhosamente. Descalçou seus sapatos com os pés. Não os ouviu tocarem o chão. Teve a ânsia conhecida de pular. Era o momento perfeito para isso. Levantou-se e pôs os dedos dos pés para fora da rocha. Respirou.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Assassino

     Ela sentou-se em frente a ele. Os olhos entraram em sintonia, e assim os pensamentos. Observavam, mesmo com o olhar fixo, cada movimento breve, cada respiração. Ela esboçou um sorriso. Ele retribuiu. Eles conversaram por um tempo, sem dizer uma palavra. Em algum momento, ela se perguntou se ele era real, ou apenas fruto de algum cogumelo que ela comera por engano. Quebrou a conexão. Levantou-se e foi até a janela. Como ela gostava de olhar pela janela. Alguém poderia pensar que ela gostava de olhar as pessoas, ou a paisagem, mas ela gostava mesmo era de olhar para si mesma. E de alguma forma, a vista fazia o momento perfeito para poetizar internamente. Mas nem com os olhos distantes dos dele, ela podia tirá-lo de seus pensamentos. Pôde ouvi-lo se levantar também. Talvez ele soubesse dos seus pensamentos secretos. Ele veio por trás e encaixou levemente a mão direita no pescoço dela. Seu coração disparou. Ela desceu alguns milímetros as suas pálpebras. Ele pôs o braço esquerdo em volta da cintura dela. Ela levou primeiro a mão esquerda ao braço esquerdo dele, e depois fez o mesmo com a mão direita. Apenas tocou. Não forçou, puxou ou apertou. Nem mesmo cravou as unhas, sua maior tentação. Acariciou a mão que estava em seu pescoço. Ele segurou a mão dela e a desceu até sua cintura. Ela pôde senti-lo respirar em sua nuca. Fechou os olhos e sentiu o arrepio percorrer todo seu corpo. Ele apertou suavemente seus braços em torno dela. Observou a rua. Nenhum dos dois disse uma palavra. Permaneceram ali durante um bom tempo.

sábado, 26 de janeiro de 2013

Diamonds

      E pensar em nós... Dois diamantes perdidos. Só posso sentir aquele momento. Quem sabe o auge de tudo. Porque o adeus é sempre o momento em que tudo se torna mais intenso. Mais desesperador. E é o momento em que é mais necessário ficar forte. Aquele controle que surge e você não sabe de onde. Depois de tantas tentativas... Ele simplesmente chega. E de repente, tudo fica calmo. Inquietantemente calmo. Até o cheiro. O toque. As fotografias. Meus olhos não se cansavam de olhar a mesma imagem por tanto, ou tão pouco tempo. Estar longe quase me asfixiou. Talvez tenha sido um pouco mais intenso que nós desejávamos, de minha parte. Mas aquele momento foi a perfeição. Finalmente sua presença era reconfortante. Como no momento em que nos levantamos. Eu estava em carne viva. Mas a ânsia era de te segurar como se fosse você meu cobertor. Mesmo que seus fios provocassem essa sensação de arame farpado. Era necessário. Era perfeito. Eu não dispensaria aquele momento, por mais que o tivesse evitado por tanto tempo. Queria que o mundo parasse naquele momento em que você estava desarmado. E você nem viu. Nem percebeu... Eu não podia te observar naquele momento. Irônico, não? Queria ter chorado ao seu lado, mas eu não poderia. Estava ocupada procurando meu controle desobediente. Talvez nunca tenha tido chance de narrar assim. De tentar inverter o lado da capa estranha. Talvez eu nunca consiga narrar. Mas naquele momento, tudo ficou calmo por você estar ali. Mesmo com seu ar de decadência. Mesmo tarde da noite, insistindo em não ser normal. Eu estava exausta de tudo, mas se você estava ali, nada importava. E você estava tão feliz... Tão feliz que eu poderia te observar pra sempre. E eu estaria feliz também. Acho que ali eu lembrei a razão de eu te amar tanto. "I saw the life inside your eyes..."

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Colapso

          Sangue acelerado, oxigênio inquieto. Poros abertos por nada. Olhar perdido no vento. Sorrisos escondidos sob a lingerie gasta. Temperatura corporal nem um pouco agradável. O momento em que tudo poderia ser maravilhoso, mas as veias estão abertas ao que é podre. Que seja intoxicado o corpo quente. Que a mente não seja sã, nem mesmo tente. Que a morte chegue veloz, não traga vida. Que a dor embale meu sono, novamente. As maçãs feias estarão molhadas, e não cor-de-rosa. O grito será agudo, e eternizado. Quando o odor for insuportável, como a mente, restarão vestígios do início falho, em papel. A morte será bonita, desde que descrita, segundo a mente confusa e linda. O ar não vai voltar, e tampouco a necessidade de tê-lo. Para uma vida tão fútil, não há razão. Eu mereço morrer.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Ela

    Talvez agora você possa perceber a conexão entre nós duas. A ânsia pela vida, mesmo que na morte. A vontade de morrer, e a culpa. A doçura. A fragilidade. E a necessidade de ser forte. O cigarro é ela por causa do gosto. E eu sempre fui dessas que gostava de degustar aos montes. E eu já disse muito que amo o sabor que a nicotina proporciona... Mas a maior questão é a solidão. E o experimentar tudo. Até que seja tanto que a sufoque. E a base. A casa. Ele é a casa. Mas ela ainda se sente sozinha sem a emoção do novo.
      E a morte. Porque fugir da própria necessidade seria tudo. Ser livre, finalmente. Ela sempre foi boa. Todos sabem. Menos os pais, que não tiveram chance. Ou talvez soubessem... Talvez eles fossem bons também. Mas a maldade não passava de uma obsessão, um transtorno psicológico que a fazia se entregar a tudo na vida. E ela era feliz assim. Em alguns momentos. Ela diz muito sobre mim. Mas é só uma metáfora, como eu sempre faço. Porque ele é eu também. E os dois não são. As metáforas me embalam para dormir...

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

O branco entre a vírgula e o ponto.

     Eles estavam longe de tudo. Longe da vida normal. Longe das preocupações cegas de quem sofre diariamente com o ser frustrado. Mas, não só nesse momento, era a vida perfeita. Era a relação perfeita. Confissões, olhares, conhecimento. A ausência da armadura reluzente fazia a poesia abstrata. A cumplicidade era não só essencial, mas absurdamente verídica. A compreensão permanente do indefinido. Eles estavam juntos e a sós. Acompanhados somente pelos pensamentos lidos e pela bela monotonia entorpecente.
     Em algum momento de anomalia, suas mentes desconectaram. Ela estava só. Ela e seus pensamentos, novamente. Ah, fazia tempo. Fazia bastante tempo. Era bom estar só, como era bom estar acompanhada. Ainda entorpecentemente estranho. Ela finalmente observou o nada incomum, e teve sua própria análise. Desenvolveu. Depois de muito sentir e pairar na paz temporária, havia algo novo, que palavras ainda não podiam materializar, nem transferir. Era estranho desta vez estar fora da poesia e do amor. Era estranho estar desacompanhada dessa vez. Criar e tentar degustosa e sacrificantemente decifrar e compreender. E então ela percebeu como o chá lhe fazia falta. E a nicotina? Ah, meu Deus, a nicotina. Como ela fazia falta. Seus devaneios também. Que nostalgia absurda! Assustou-se. Teve a ânsia tola de voltar a ele e reconectar cegamente sua mente ao seu amor hipnótico. E se ele também fosse capaz de degustar a liberdade? Era isso que ela costumava ser. A liberdade e o tudo. E o nada era porque ele não era presente. Mas ele também tomou o tudo. Ela era paz, instabilidade e arte. Ela costumava ser gramática. Porque sabia desde sempre que era da gramática que surgia a interpretação. E era da gramática, que surgiam os sentimentos. Porque sem gramática, quem seríamos nós? A compreensão é tudo. É o ser. É o pensar. E pensar é fundamental, ela sabia.
     Ela não voltou a ele. Não o abraçou apavorada e repetiu que o amava, intensa, sufocada e obsessiva. Ela apreciou seu vestígio visível de maturidade e se permitiu recuperar um pouco do passado. Papel. Ela ainda carregava. Desde seu passado carregava aquela esperança intensa do futuro. Que o presente preencheria com tinta, grafite e memória. E enigmas. Despejou sobre o caderno tímido e abandonado, que sutilmente sorria ao refletir no branco, a luz de sua mente acelerada. Despejou toda a sua compreensão, cuidando para que fosse desafiador compreender suas próprias observações, no retorno planejado. Em sua liberdade absoluta, citou-o entre as palavras. Citou-o em vírgulas, pontos e espaços. E isso significava claramente, mesmo que fora de sua percepção, que não era necessário dizer a ele, mas que ela não iria a lugar algum. A liberdade estava ali, e ele não era capaz de interferir. Era o momento certo. O auge da satisfação da vida. A evolução se comprovava ali naquele instante. Autoestima não seria uma palavra suficiente. Ela não era poesia em palavras sólidas. Ela era poesia no ser. E ela foi desde aquele instante. Apenas foi. E era exatamente o que ela queria se permitir. Ser.

domingo, 20 de janeiro de 2013

Eu e desespero.

   Poema e futilidade. Dia e noite. Sim e não. Grito e silêncio. Boa e má. Doente e feliz. Luz e sombra. Tudo e nada. Eu e eu. Cor e fumaça. Lágrimas e gargalhadas secas. Dançar com os pés em carne. Sofrer e apaixonar. O medo e a morte. Coragem do sim. Eu e eu. Descoragem do não. Necessidade cega. Necessidade de não enxergar, e ver. E ver com os olhos que não olhos. Experimentar e ser. Cair, deitar. Sentar, bater. Morder, pedir. Olhar. Adeus, olá. Talvez e cimento. Pó e toxina. Toques e fugas. Confusão exposta. Alguém, eu. Paradoxo e repetição. Tecla falha para novo pensamento. Universo extenso para pouco vocabulário, e a indefinição. Não saber. Não saber quem sou eu, e o que aprecio ou desgosto. Não saber a hora de parar, e ir. E ir sempre, nunca conseguir voltar. Ter que conviver com o tudo aberto, na tortura prazerosa de ser: eu. Eu quem? Não sei. Eu e eu e eu e eu. Não é egocentrismo, é dúvida. E ser todas essas, e talvez esses e talvez ninguém. Eu comigo, sozinha. Vozes plurais no meu sangue. Confusa e perdida. Palavras incertas e insuficientes como meu paladar. Como meu paladar sexual. A vida não serve. Porque o tudo, é saída melhor. E amor.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Sei lá o quê doce

     Olá, doçura. Como vai você nessa noite sem lua? Pois a janela fechada não me permite voar, ou ver. Como vai nessa noite vazia de orgasmo ou companhia, vazia de tudo, cheia de nada? Estou só novamente. E o que há de novo, querida doçura? Há você? Mas você sempre houve, todos sabem. Todos eles. E por essa razão permanecem tontos, fracassados e perdidos. Talvez uma metralhadora num salão coberto de diamante. O que resiste? Talvez estar aqui no centro não seja o privilégio. Talvez não seja tão divertido atirar. Mas não é mais uma escolha, é uma necessidade. É sobreviver. Mas de que vale o tiro se nem tudo que me fere é o que eu fiz? De que valem as palavras e os orgasmos se meu corpo permanece só? E minha mente? Queria fugir desse lado psicótico, neurótico que atormenta e desvia. O tom certo da compreensão demonstra o descaminho do tiro do episódio seguinte. E as gavetas e as portas se fazem ausentes perceptivelmente. Num canto qualquer, açúcar. Açúcar puro, sem química, sem conservante, sem branco. Cana-de-açúcar. Coisa primitiva, coisa honesta, coisa surreal. Passado. Encantamentos soltos perfurando o nada. Encantamentos vistos, descobertos, e certamente incontidos. Novamente o nada. E o tudo. Ah, amor, o tudo. E já não sei que tiro dar. E qual seria a direção? O tudo e o nada me devoram. E já não há mais razão. Por que razão? Pra quê? Mas e o agora? E quanto ao segundo? Já não sei. Já não sei de nada (ou já não sei de tudo). O agora indefine. Porque presa e perdida entre o açúcar e o álcool. E quanto ao café? Pareceu uma boa saída, mas o que aconteceu com o café? E quanto ao chá? A libido devora o momento-chá, e se devora e me deixa desatinar do estômago, sentindo minha boca corroer. Por quê? E o buraco, e o vazio. E aquele rasgo que fica do que já não é, e do que é e porém não agora. E o remendo que não vem e nem mesmo tem de onde se fazer. E a essência, e o sabor. A sensação. O não sentir se mescla com os muitos sentidos em memória que desnorteiam. Bom, querida, acontece. Sufocada no não e sim. Sufocada na companhia e na descompanhia e na espera de quem não vem. Sufocada nos que se aproximam depois de esforço e dos que necessitam estar ali. Sufocada com todos. Desejar os novos caminhos abertos, e nós sabemos do que se trata. Rubros caminhos. Rubras intenções. Rubra alma e negros olhos. Palavras coloridas e com luz. Nada correto, nada exato e desequilíbrio. Talvez melhor compartilhar o sei lá o quê mais uma vez. Correr. Tentar? E o? Cama, doce, cama. Apagar os sentimentos, acender o falso e embalar. Porque perdida entre palavras antes que entre sentimentos. Porque perdida entre sentimentos porque palavras usadas. Porque sei lá o quê. Porque doce. Porque não. Sei lá por quê.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Pausa

      Ali estávamos os dois. Tempo parado, coração acelerado. O momento se entranhava na minha memória. Perpetuando-se. Eu não sabia ao certo o que desejar. A ânsia de tocar, abraçar e algemar era absurda, mas um pouco menor que minha coragem, que o meu orgulho. Ele mesmo não era capaz de definir o que devia ser feito, o que devia ser dito. O instante pairava na companhia da pergunta abstrata. Esse segundo nos definiu. Ele o fez. Foi curto o momento. Talvez ele nem tenha notado a pausa. Porque logo em seguida tudo correu. O tempo corria aflito novamente. Mas eu notei, e desde então ele ocupou o espaço vazio que eu não tinha notado. E eu passei a recontar esse novo elo como se fosse esse momento uma história de amor que eu tinha esperado minha vida inteira para viver. E eu acreditava nisso, acho. Acredito. Mas hoje de uma forma muito diferente. Ele sim, é o amor da minha vida. E até quando eu direi isso? Porque esse instante se perpetuou, eu sei. Mas nada vou fazer a respeito. É por ser assim, que eu acredito na perfeição. Porque os toques são suaves, as conversas longas e as pernas resistentes. Porque os olhares são cheios, os pensamentos perdidos e as risadas sinceras. Talvez ninguém o saiba, mas as risadas são menos de graça que de felicidade. Mesmo quando as lágrimas só esperam espaço. Mesmo quando o peito aperta, e o silêncio ocupa os vagarosos intervalos. Quem quer se despedir? Porque me faz querer chorar sempre que chego em casa. Sempre que reflito lenta sobre os meros detalhes. Sobre o que não se vê. E talvez seja mais sobre o que eu não sei dizer, sobre o que eu não escrevo. Talvez mais sobre os abstratos. Mas certas frases permanecem, como sua presença aqui. Tais como, eu diria "você é o amor da minha vida". E tais como "você fez do meu dia feliz". São do tipo das que não precisam ser ditas, mas eu sou do tipo que diz. E dizer isso agora não me ajuda nem um pouco a entender a razão de nada, mas me faz sorrir. E no final, é apenas disso que se trata. Dos nossos sorrisos. Desde o falso que eu dei, no dia em que previ nosso futuro. Até o interno que eu reprimi, mas que nasceu sozinho. O resto é lucro. O resto é nós.

Força e solidão...

"Amor?"

    Talvez essa pergunta não seja equivalente a "você está aí?". Talvez seja mais sobre "você me ama?". Às vezes um "ainda posso te chamar assim?". Ou talvez nem seja isso. Talvez seja uma afirmação. Algo como "estou muito sozinha" ou "preciso de você". Bom, as coisas comigo nem sempre significam o que parece. E alguns não precisam dizê-lo para compreender. Talvez agora seja um bom momento para uma sms. "Amor?"

Talvez eu adore cegamente a dor porque ela me permite chorar. Talvez eu me desconheça e só necessite reler minhas próprias linhas com um pouco mais de atenção.

Eterna morte.

    Talita, meu amor. Ser você me cansa, mas é maravilhoso, sabe? O que me preocupa é a necessidade da presença dele. Claro, a presença dele é fundamental. Você sabe bem que você não seria você se não fosse por ele, não é mesmo? Mesmo que sempre pareça o contrário. Mas o que sempre me faz falta é a nicotina, você sabe... Invejo você que pode tê-la a todo tempo. Onde você consegue tanto cigarro, minha querida? Eu queria um dia estar ao seu lado. Porque você não é só quem eu sou, ou quem eu queria ser. Você é quem eu queria na minha vida. Entre outras personagens que eu modelei como ideais. Eu te admiro tanto, eu te amo tanto... Eu não me importo com sua ânsia suicida, querida. Não me importo com suas veias poluídas porque as minhas também são. E não me importo que você mal chegue perto de um papel, mesmo sendo tanta poesia. Te observar me bastaria. Seu coração negro é aconchegante. Sua fumaça acalenta a alma, meu amor. Estar ao seu lado é poesia. E ele sabe bem disso, não sabe? Eu invejo vocês. Vocês são a perfeição. Ao menos no meu olhar. Você é linda, querida... Ele te diz isso? Te diz isso todo dia? Espero que sim. Talvez eu não controle tanto assim... Você existe há muito tempo, querida. Você nasceu da minha morte. E desde então, você é imortal. Gosto da sua dor. Gosto da nossa dor. De nós 3. Somos três? Talvez sejamos menos. Talvez sejamos mais. Gosto desse todo. Talvez eu não seja capaz de te fechar em tantas páginas. Porque você vive, mesmo que na morte. Você vive por si própria. Vive na degradação. Mas me doi tanto, querida... Como me doi. Me doi que você exista, e me doeria mais se você simplesmente deixasse de existir. É muito incômodo, meu amor... Queria álcool e talvez matar a saudade de nossa querida nicotina, para me acalmar. Talvez só me reste o sangue. Talvez nada funcione mais... Como eu disse, você é imortal. E nossa nicotina também.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Na falta, violação.

   Boa noite, lua. Como vai você? Não anda muito sozinha? Ela tem vindo te visitar? Acho que ela andou ocupada, acompanhada, sabe...? Mas eu entendo. Entendo ela e te entendo também. Talvez ela te faça falta como me faz às vezes. Bom, querida. Hoje vim te confessar uma coisa. Não é algo que a maioria das pessoas chamaria de boa notícia. Hoje eu fui estuprada. Sim, eu fui estuprada, querida. Eu deveria dizer que foi frio, mas não. Que frio me excita e foi bem quente. Quando terminou eu estava dolorida e morrendo de calor. De fome e sede também. Me arde por dentro querida, sensação que você desconhece. Mas o calor talvez lhe seja familiar. Não houve toques, fui atingida muito facilmente. Foi bem rápido até. E a dor passou depressa. Foi uma boa sensação, até. Me senti capaz e resistente. Claro, senti um pouco de nojo. Não tive coragem de degustar. Não, não, não. Hoje não, querida. Hoje fui um pouco mais fraca. Para ser forte, talvez. Mas o que me incomodou, além do calor, foi a carência. Essa tola que não me deixa em momento algum. Ela me fez querer ser beijada, tocada, amada. Nem que por pouco. Ser estuprada me faz querer amor. Assim como terminar um oral. É estranho esse instinto. Eu acho, pelo menos. As pessoas podem achar isso normal. Desejei chorar no colo de alguém, reclamando baixinho de dor. Quis estar acompanhada. Me sinto tola por querer alguém. Quis me machucar um pouco mais, meu masoquismo reina. E o espelho me olhou com desgosto, deboche e asco. Não foi uma boa sensação. Nem do meu estômago amarrado em si próprio. Maldito nó. É estranho lutar por amizades. São estranhos esses princípios e objetivos. Minha essência é confusamente estranha. Não foi estranho quando entrou em mim, não foi. Foi asqueroso e me fez sentir forte. Mas e depois? Por que tudo tem que acabar? Minha amiga lua, me faz companhia hoje. Embala meu sono solitário. Hoje eu preciso descansar...

Janela Narcótica

  Ela deixa os cotovelos pesarem sobre o mármore da janela. Observa a lua. Suas unhas vermelhas harmonizam bem com o cigarro aceso entre os dedos. Ela dá uma tragada um pouco mais longa.

- Amor, vem pra cama. Vem aqui ficar comigo.

  Ela prende a respiração por alguns instantes e expira a fumaça devagar.

- Não.

- Turrona. Por quê?

- Não tô afim.

   Ele levanta da cama seminu e se aproxima dela pelas costas.

- Que houve?

- Não houve nada. Só me deu vontade de pular.

   Ela resolve sentar no mármore da janela. Nua.

- Você não vai pular, não é mesmo?

- Não...

   Ele a envolve pela cintura. Ela respira fundo e fecha os olhos. Dá outra tragada forte.

- Vai me dizer o que houve?

- Para de me provocar...

- Provocar? Mas que pervertida!!

   Ele aperta os braços em torno dela. Ela geme soltando a fumaça novamente.

-  Não houve nada...

   A voz dela é fraca.

- Claro que houve.

   A mão dele desce até a coxa dela.

- Desde quando eu preciso de motivo pra me estressar?

- Desde... Nunca.

   Ele aperta as duas coxas dela com força. Crava as unhas. Ela geme um pouco mais alto.

- Depois eu que sou pervertida...

   Ele leva a mão até a mão dela e toma o cigarro.

- Você devia parar de fumar.

   Ele apaga o cigarro na perna dela. Ela grita, aperta as pernas contra a parede. Segura os pulsos dele com força.

- Filho da puta.

- Mas o que foi que você disse?!

   Ela solta os braços dele e se levanta da janela. Pega o cigarro da mão dele e busca o isqueiro para reacender.

- Você ouviu.

   Ela acende o cigarro e joga o isqueiro no chão, se sentando na cama. Dá outra tragada, olhando-o nos olhos.

- Você queria que eu abusasse de você hoje, não é? Mas eu não quero. Me dê esse cigarro.

   Ele toma o cigarro da mão dela novamente e dá uma tragada tão forte que começa a tossir.

 - Ei!

- Feliz agora, meu amor?

- E você já me viu feliz, por acaso?

   Ele joga o cigarro no chão e apaga com o pé. Depois se deita na cama ao lado dela e a abraça na altura abaixo do busto.

- Você fica feliz por minha causa. Eu sei. Você não precisa admitir.

- E você me ama. É louco por mim.

- Claro que eu sou. Depois você me conta o que houve.

   Ela ri.

- Você tá de pau duro.

- Você tá nua.

- Pirracento.

- Teimosa.

- Te amo.

- Também, querida. Eu também.