segunda-feira, 29 de abril de 2024

Expectativa

- Eu tava te esperando.
- Bom, se não tivesse seria muito estranho eu ter vindo aqui agora.
- Como foi o caminho? Cansativo?
- É. Demorou muito. Mas agora eu cheguei.
- Entra, senta, quer uma água? Chá, coca-cola?
- Tem café?
- Posso tentar fazer um... Não costumo tomar café.
- Não precisa.
- Tudo bem. 

Você se senta no sofá da sala enquanto eu procuro a leiteira pra ferver a água. Tem um coador de pano pendurado perto do fogão. Eu percebo que não tem pó de café.

- Ah, tem que comprar o café. Mais tarde eu vou lá. Quer ir comigo?
- Eu bebo água.
- Depois a gente vê isso. Aqui.

Te dou um copo com água gelada. É como eu gosto. Esqueci de perguntar se você queria gelada mas deixo pra lá. Tem coisas demais que eu quero perguntar. Só consigo olhar pra você.

- Obrigado.

Não consigo sorrir. Normalmente eu sorriria mas, nessas circunstâncias, explosões subatômicas tomam conta do meu corpo. Não consigo controlar minhas expressões. Me sinto uma cobra.

Quero te tocar, mas não sei como. Quero te beijar, mas não sei como. Tudo me apavora. Tenho medo que você saia correndo. Você coloca o copo na mesa.

Você repara em mim, eu me pergunto se você notou minha guerra interna ou se você tá vivendo o próprio universo. Tento escolher palavras para me comunicar, mas não sei o que fazer.

Me sento do seu lado. Encosto meu corpo no seu, estou tremendo. Você parece distante. Será que eu pareço distante?

Recosto minha cabeça sobre você. Sentir o calor da sua pele é como encostar em brasa. A adrenalina me dá choques.

- ... Posso te pedir uma coisa?

Minha voz sai fraca. Você me olha confuso.

- Depende... o quê?

Eu me levanto. Vou até o quarto e pego um canivete preto. Ele tá bem amolado. Me sento ainda mais trêmula e coloco ele na sua mão. Tento respirar fundo. Está difícil fazer contato visual.

Eu olho pra você, tentando transmitir o resto das instruções sem precisar verbalizá-las. Você está resistente.

- ... Me fala que eu entendi errado.

- Não.

- É brincadeira isso?

Você tem um tom agressivo. Não sei o que está acontecendo com você, mas você parece com raiva. É confuso pra mim entender se isso é bom ou ruim.

- Não. É sério.

Você me olha nos olhos profundamente. Com ódio. É assustador. Eu congelo de medo. Você não responde.

- Você não tem coragem? 

Parece que meu comentário te tira do pouco eixo que você ainda tinha.

- Tá. Tá bom, você quer isso? Você quer mesmo isso? Então vamos fazer isso.

Você se levanta e anda pela sala agitado. O seu tom de voz, o seu corpo e cada palavra que você diz me apavoram mais e mais. Você parece... instável. Começo a me perguntar se cometi um erro. Eu deveria ter me perguntado isso antes de colocar uma faca na sua mão.

- Me enforca

Você me olha estupefato. Como se eu tivesse soltado a maior das ofensas que eu poderia ter dito contra você. Mas obedece. Como se não tivesse escolha.

Você vem violento com a mão direita prendendo minha nuca contra a parede. Pressionando minha passagem de ar com a palma das mãos com uma força tal que eu sinto mais dor que sufocamento. Eu contorço meu rosto com a dor. Você fica irado. Sacode minha cabeça e bate com ela na parede.

- VOCÊ NÃO QUERIA ISSO? 

A porrada produz um eco dentro do meu crânio. Eu balanço a cabeça que sim.

Tento murmurar um "obrigada", mas não sai nenhum som. Você prendeu minhas cordas vocais. Você entende mesmo assim.

O agradecimento parece surtir algum efeito em você pois você transita para um estado hipnótico. Me observa como se eu fosse um enigma, com um enorme interesse. 

Aperta mais forte o meu pescoço, me sinto um brinquedo na sua mão. Na mão de uma criança fazendo pirraça.

Você põe a mão em uma das minhas coxas e por um instante quase parece um ato sexual, enquanto você levanta a barra do meu vestido, mas, esse momento rapidamente é interrompido por uma queimação súbita como um foguete fino que desce de quase a altura da minha cintura até o meu joelho esquerdo. 

Você me olha atento à minha reação. Eu me contorço e me encolho. 

- Mais?

Não estou mais em condição de responder. Eu fecho meus olhos com força, sobrecarregada com o excesso de estímulo. Você permite que eu respire; sem soltar o meu pescoço. 

Leva a boca até a minha orelha e sussurra:

- Abre os olhos. Agora.

Eu obedeço, com dificuldade. Te olho assustada. Sua voz é firme e ameaçadora. Você se tornou outra pessoa.

Você encosta a ponta da faca na parte interna da minha coxa direita. Pressiona. Eu sinto o sangue escorrer antes de sentir a dor. Com força, você faz o segundo corte 3 vezes mais profundo que o anterior. A dor é muito maior.

As lágrimas começam a descer pelo meu rosto. Eu tô com dor. Eu tô com medo. Eu quero sair correndo, mas eu não consigo.

Eu não sei como eu fui parar ali.

Você sorri quando me vê chorar, como se fosse um prêmio que acabasse de receber. 

Eu tento proteger minhas pernas com os braços, mas percebo que não foi uma ideia muito genial quando você resolve cortar meus braços. 

Você solta o meu pescoço e os corta rápido, como um espadachim. Eu me sinto um legume sendo fatiado. Eu estou tremendo tanto e tão desorientada que você não sente mais a necessidade de me prender contra a parede. Eu cubro o rosto em pânico. Encolhida em posição fetal.

Você puxa minhas mãos para baixo e me olha nos olhos com um sorriso sádico.

- Eu disse olhos abertos.

Você leva o canivete até a minha bochecha.

- Que tal aqui?

Eu sinto o sangue se esvaindo do meu cérebro e luzes piscando ao redor de você. Não consigo te escutar direito.

- Eu acho que vou desmaiar. Por favor, não...

- Tudo bem.

Você me segura. Eu acordo deitada no seu colo, coberta em sangue, o canivete ao lado de seu copo de água.

Você me dá um beijo na testa. 

- Oi. Como você tá?

- ...Confusa. Fraca.

Você se levanta e recosta minha cabeça no sofá.

Eu escuto água e uns barulhos de louça e gavetas. Você volta com um pouco de sal nos dedos e um pano de prato molhado. 

- Abre a boca.

Eu abro a boca meio lenta. Você passa o sal debaixo da minha língua.

Torce o pano em cima da minha testa pingando algumas gotinhas de água, e começa a limpar meus cortes. Arde. 

- Acho que vamos ter que te enfaixar.

- Eu... não pensei nisso.

- Alguma ideia? 

- Ahm... tem um vestido preto lá na cama. Acho que dá pra amarrar ele na minha perna? É aí né? Tá doendo a beça.

- Vou ver.

Você volta com o vestido. Passa ele por debaixo da minha coxa direita e aperta. A náusea diminui, mas ainda me sinto fraca. 

- Vem aqui.

Você se senta do meu lado novamente e me chama pra ir pro seu colo. Eu vou meio torta, sem força. Você me puxa. E me abraça por trás. Beija meu pescoço e o topo da minha cabeça. Encosta a bochecha na minha orelha e sussurra:

- Eu te amo. Eu não vou deixar você morrer. 

[Esse texto foi uma homenagem e uma referência a um evento literário do passado]

quinta-feira, 11 de abril de 2024

upside down denial

Eu tenho um gosto amargo na boca
E eu não quero escrever
Não quero falar sobre isso
Porque se eu escrevo, é pra você
E agora tudo é uma tela preta
É uma tela cinza
É uma tela que não está ali
Mas eu recebo as ondas
Eu falo e falo e falo
Dentro do meu silêncio
Como se já fosse um fim
Como se eu soubesse
O que eu ainda não sei
Eu estou aterrorizada
Mas rio de piadas e performo
Como nunca antes
É quase como se você nunca tivesse existido
É quase como de eu não soubesse o que é sentir dor
É incrível o que a mente humana é capaz de fazer
,não acha?
Você ainda acha alguma coisa?
Você ainda está aí?
Quando eu paro pra respirar,
Quando eu suspiro, quando canso
Quando me estico sobre a cama
Tento fechar meus olhos mas tenho medo de te ver
Tenho medo de que você venha se despedir
Por que você disse que me amava?
Por que você disse que me amava
Só para ir embora?
Você tornou meu céu um inferno em segundos
E eu gostei
De como você me destruiu
Eu me senti perto
Eu me senti morta
Eu me senti como tudo que eu sempre quis sentir
Na beira do abismo
Despencando do vigésimo primeiro andar
Esperando o chão
Eu tô esperando o chão
Mas enquanto ele não chega eu sinto o vento
Eu ouço os pássaros
Eu vejo as nuvens, o vidro, a vida
O chão é um mistério
É um medo
E o medo é o nada
O buraco que você deixou em mim
Quando enfiou uma pá pra me cavar
Eu não sei por que eu acho que
Você queria me machucar
Porque se não era
Então a culpa foi minha
Tem que ser de alguém
Isso não é normal
Eu não aceito
Antigamente quando eu era nova
Eu sonhava que podia voar
Aí eu comecei a sonhar que eu despencava como uma escada infinita
Do topo do mundo onde eu via as nuvens
Eu passei a viver em caixas apertadas que me esmagavam
E aprendi a aceitar entrar no concreto da parede
Por mais claustrofóbico que fosse
Morrer sendo o próprio cimento
Virando uma pedra
Eu abandonei tudo que eu poderia ter sido
Porque meus membros foram arrancados de mim pouco a pouco
E você com seus dois olhos me disse
Que via tudo que eu não era mais
Como se eu ainda fosse 
Você mentiu que isso era amor
Mentiu que amor existia
Mentiu pra mim
Porque amor é esperança
É a possibilidade de continuar viva
E não viver uma tortura
Mas você me deu a sua tortura
E se despediu
Eu não quero falar 
Mas eu vou me afogar nas minhas palavras
Se eu continuar calada
Você me atropelou com um prédio inteiro sobre rodas
Soltou um avião em mim
Você me disse que eu não valia ser amada porque
Se você me ama e vai embora
Então
Ninguém me ama
E ninguém nunca vai amar
Eu destrui a única coisa bonita da minha vida
O meu único feixe de luz pra sair daqui

quinta-feira, 4 de abril de 2024

Glass Dagger

I made myself a scar
Because I had a wound
And it was painful
A stab in the center of my chest
Ugly, dirty, infected 
I tried to open it
Sort the shards out
Clean myself inside
I picked up my skin
Like it was spikes of a porcupine
Or horns of a cactus
Something that
Was not supposed to be there
I guess I'm not a plant nor an animal
But my whole existence feels
Like a mistake
Like I'm not supposed to be here
I tried to paint myself
The pain among the art
Over my vesture
I made a gesture
To my inner shadow
To let them know that I'm aware
I made myself a wound
And it was painful
But the wound I had before
Was aching further
So I had move my claws
And do something about it