segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Fetiche

Me percebi trancada
Em meu corpo
Preso no mesmo canto
Mal ocupado do sofá
No meu silêncio
De quase três da manhã
Só interrompido
Pelas respirações mais profundas
Pela contração
Que dentro de mim me obrigava
A mover-me no mesmo espaço
Pequeno, resfriado
Me percebi atada à indecisão
Uma espécie de punição
Resposta à desobediência do destino
De não ter satisfeito meus desejos
Me tornara então estátua
Cubo de gelo
Derretendo-me através do tempo
Duas horas
E minha voz já não existia
Eu queria gritar
Mas não queria
O excesso dos quadris aprisionados
Era o que dava sentido
À minha loucura
E ser apenas eu
Era existir

quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Toco

Pessoas árvores
Tão enraizadas na própria morte
Que não de fato morrem
Perecem de imortalidade
Espírito

Aceitando pássaros que bicam suas extremidades
Ventos que estremecem suas entranhas
E depois seguem caminho

Pessoas tão bem enraizadas
Em sua solidão
Que nutrem o próprio abandono
Água e sol

Calefação

O nosso café, a coca e o chimarrão
Os cigarros, cup noodles e o chão
Digo, não, a cama, os nossos corpos
A coberta desconsiderada
Os nossos cabelos
De cor cruzada no espelho
Os cortes cicatrizados
De espaços no tempo
O perecer de contos memoriais
Nosso castanho escuro e rosa claro
Camiseta, colchão, retrato
Tão antiquado quanto a
Contemporaneidade
Que nos fez convite ao encontro
Calados, cercados,
Confeccionados para a depredação
Cinzeiro, caneca, copos
E telhado
Um canto de dor aguda, despedida
Cansado e aterrorizado
Decomposição

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Tátil

Até a brisa
Que me esbarra a face
Alheia
Aos pesares rasos
Que me afundam
É evento
No meu cotidiano
Como desafinasse
A previsibilidade
Do entorno
Ela me arranha os nervos
Tal qual lambesse por dentro
Me arrancando as carnes
Fatiando a minha sanidade aos poucos

Quando fecho meus olhos
Exposta ao caos agorafóbico
Dos caminhos gradeados
É só mais uma morte
Como a dos trilhos eletrificados
Ou dos estilhaçados farois dos carros
É só mais uma morte
Me repartindo por dentro
Tornando toda dádiva um sacrifício
Fazendo todo amor insuportável