quarta-feira, 29 de novembro de 2023

Urubu 2

O urubu caminha
Com suas pernas tortas
Desengonçadas
Não anda com pressa
Mas tem aonde ir
O tempo está ameno
Mais tardar não estará tanto
E não carrega consigo o peso
Nos ombros
De uma mochila negra
Sua capa impermeável
Da quarta cavaleira
Sua sombra é um voal preto
Que escorre e esvoaça
Por entre o vento
E a neblina refresca os seus pulmões

Um de seus pés
Pende pro lado
Ele se arrasta pelo chão,
E não voa como se espera
Apesar de ainda possuir ambas as asas
Bonitas asas, pesadas
E isso significa, funcionais
Se acostumou a se camuflar no baixo
No piche, no concreto
No escuro da noite
Onde a maior parte das aves descansa
Ele vigia
E alonga suas compridas asas
Como fosse levantar vôo
Mas não.
Para que elas não pereçam no tempo
Com a falta de uso,
Para abrir espaço
Para seu peito estufar
E que o ar do silêncio entre
Para alimentar o infinito em seu estômago;

As penas de uma ave mudam com o tempo
Elas caem, uma a uma
Até que todas
E renascem
Uma nova ave
É um processo doloroso
E fatigante

O urubu não vê no sol um inimigo
Como era de se prever
Devido a tamanha seca
Ele se enlaça no morno do forno da Terra
E aprecia a chuva, quando a chuva vem

Não é um rei, nem peão, nem um antagonista
Apenas um vazio escuro
A penumbra da copa das árvores
Uma brisa que passa por você,
Como um tropeço, mas que você não a nota
Um eco da sua própria passagem.