quarta-feira, 26 de maio de 2021
Fé, lá
Eu desperto
De meu sono acordado
Meu corpo desperta
Sinto dores que não deveria sentir
Verdades que estou fingindo esquecer
Sinto meu corpo reagir
Sinto ele sofrer
E dopar-se,
Criando uma festa insossa
No meu paladar
Eu não sei explicar
Eu não sei para quem tentar
Algo está errado
Eu não sei se há o que fazer
Se aproveito o momento
Se me deixo morrer
Sinto que quero
Fechar meus olhos
E minha boca
E me deitar
Eu tenho muito a perder
Não é como das outras vezes
Mas esse muito não dá pra agarrar
Tem que correr muito
E correr
E correr
E correr
E correr
Pra alcançar
Pra tentar
Pra continuar a enxergar
Mas eu tô aqui
Correndo
E correndo
E correndo...
...
.
às vezes eu paro um pouco
— muitas vezes —
e não vejo mais nada
mas tá lá
terça-feira, 18 de maio de 2021
Chá de Boldo
Meus olhos não pregam
Como as mãos de cristo
Não sei se tento enxergar algum milagre
Ou só aceito como Buda ou algum sábio
De que outra maneira-?
Meus enormes negros, fundos
Olhos de coruja
A nova voz no meu sonar
Mais alguém em quem confiar...
E meus cílios como cola para postiços,
Colados nas pálpebras,
Arregalada
Laranja Mecânica
Me digo
Que não desligue
Não desligue
Não, você não pode desligar agora
Mas ao deitar e implorar tudo está em pleno neon
Sigo acesa
E o caos e o caos e eu penso
O que fazer com este caos
Então me sento frágil
Forte
As duas simultâneas, juntas
Acordadas,
Sigo a descascar o caos
Como uma cebola que ardesse os olhos
Mas dessa vez, mastigo as partes
Engulo
Uma após a outra
Após a outra
E após
Até que não me seja mais possível descamar
Em tamanha náusea, no passado
Alguém me daria um chá
Um chá de boldo, pra enjoar
E colocar tudo de ruim pra fora
Engulo o chá.
domingo, 9 de maio de 2021
Marie Kondô
Para Segurança é preciso limpeza e organização.
Então, te dou uma pá, dez sacos de lixo, uma vassoura piaçava muito usada, uma agenda e uma caneta funcionando.
Esqueço a garrafa cheia de álcool 70 na mesa e um ou três paninhos descartáveis, e talvez uns papeis para limpar a sujeira que a vida acumulou.
A gente volta pra buscar.
Um ventilador, uma máscara. Um celular tocando música.
O celular interfere e você sabe.
Não vem ninguém te socorrer, pare de esperar na porta.
Visitas são perigosas. Você não quer isso.
Precisamos limpar essa vida inteira. Temos muito trabalho a fazer.
Como achar o caminho de saída no meio dessa bagunça?
Nosso quarto não tem janelas.
Nossas coisas estão desempacotadas.
Você lembra como costumava ser. Segue as antigas regras.
Mas como?
Joga todo esse lixo fora.
Eu não sei fazer isso, eu não sei.
Eu me sinto tão sem nada que esse lixo é tudo que eu tenho.
Quase ter coisas é quase ter pessoas, é fingir que eu tenho alguém.
Objetos pra mim são os pedaços das pessoas. Como jogar pessoas no lixo?
Como?
Eu sinto falta dele.
Ele curou tudo.
E foi embora.
Agora eu só tenho o desespero.
O desespero puro, o desespero.
Eu vou morrer aqui
Eu vou morrer aqui
Eu vou morrer aqui
Eu não suporto mais
Eu não suporto mais
Eu não suporto o pavor e como estou aterrorizada
O desespero
O panico
Eu vou morrer aqui
Ele vai me matar
Vai me quebrar toda
Me colocar no hospital
Ele vai me matar de tanto bater
E talvez eu mereça
Talvez eu mereça
E tudo que eu faça me leve a apanhar até morrer
Eu não tenho como sair
Não importa o quanto eu limpe
Eu estou suja demais
Eu sou suja demais
Minha vida é suja demais
Desintegrada demais
Muito apocalíptica
Para ser organizada
Eu to condenada