domingo, 31 de janeiro de 2016

Ebulição

Ela disse que eu estava chorando
Eu respondi que não
Era mentira
Eu estava chorando
Da minha maneira
Com um cigarro na boca
Cantando
Para o cachorro mais lindo que eu já vi
Não ia fazer sentido pra ela
Eu disse a ele que iria embora
E ele espirrou
Mas quando eu cantei, ele parou
E eu percebi mais uma vez
Como que cantar é amor em forma de som
Mas eu dizia adeus
Eu estou dizendo adeus
Até a próxima vida,
Daqui a um ano inteiro
Eu canto e queria estar em silêncio
Abraçada não com o cachorro ou com ela
Queria estar abraçada com ele,
Com a lua
Com a outra metade de mim
Sinto vontade de despejar
Uma ou duas lágrimas
Mas não posso
Sou triste e sou seca
Eu choro pela fumaça
Que sai do fundo de mim

Meio centímetro

Fumei um cigarro teu
Com o teu isqueiro
Enquanto você dormia
Eu queria estar na tua cama
Eu queria estar dentro de ti
Desde que cantamos
Aquela música sobre cocaína
Eu queria estar mais apertada
Só um pouco mais
Para espremer
Eu queria ficar aqui
Mas tudo daria errado
E eu nunca seria eu
Eu nunca seria eu
Perto de você

Impermanência e paralelismo

Eu te pintei nas minhas unhas
Preto, como só você consegue ser
Profundo em meu pulmão
Me sufocando a cada gargalhada
E quando mais chapada eu fico
Mais te amo
Isso nem faz sentido
Meu amigo, meu amor
Depois de tudo que passamos
Eu continuo voltando no tempo
Eu continuo me encolhendo
Virada pra parede
Eu ainda tenho sede
De te encontrar
Na ponta dos meus dedos, pretos
Mergulhados no teu esmalte
No teu caos
Na tua insubordinação e arrogância
E quando eu me desmancho em risos
Aquela tosse vem
Como se fosse um castigo dos céus
Ninguém te conhece
Como um dia eu te conheci
Eu fecho meus olhos e abro
Já passaram 10 horas
E eu estou pesada
Me arrasto pela casa
Consciente de que vou embora
Está na hora
De te dizer adeus

Mas em todo fim de eclipse
Todas as vezes em que nós morremos
Eu sei que é só uma questão de tempo
Até eu te tocar de novo
E doer até me questionar
Sobre quem sou

A lua nunca poderia alcançar o sol
De maneira alguma
Portanto, estão ambos
Perpetuamente imunes um ao outro
Não importa quantas vezes eu tenho vontade de chorar
Ou quantas vezes eu pinto minhas unhas de preto
Também não importa
A quantidade de drogas que eu ingeri
Eu estou aqui, agora
E está na hora de ir

Enquanto você dorme,
A única verdade que me resta é essa:
Eu sempre vou poder escrever sobre você

sábado, 30 de janeiro de 2016

Apoc.

Eis os sinais do Apocalipse.
Você perde algo de que gosta.
Algum evento meteorológico não esperado acontece.
Você tem um pressentimento ruim.
Pessoas brigam entre si.
Alguém morre.
Partes da sua casa são afetadas.
Às vezes algum bicho vem te avisar.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Sobre as drogas e tu

Eu quero ser fraca.
Não quero resistir a coisa alguma
Não quero ficar mal,
Quero estar sempre aqui no ar,
Quero me jogar e esperar a queda
Que chegue
Que chegue o chão
Eu quero ser fraca
Esperar os passos virem por cima
Me atravessarem
Para amaciar a carne
Quero me apaixonar
Pelo poste em curto circuito
Quero tudo gratuito
Para acelerar o tempo
Que chegue ao chão
E amacie as minhas costelas
Se o oxigênio não bastar
Tudo mais especial
Planejado
Deixo um recado aqui pra ti
Te amei sempre que te vi
E ao meu outro
São assassinos
Meninos
Que me moram já
Não fujo de nada
Não me aguento
Sou bem fraca
Para não te pensar

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

A tentativa das coisas

Eu desliguei meu celular.
Eu fugi de casa,
Mudei de estado,
Calei a boca.

Eu bebi,
Eu fumei,
Fiquei chapada,
Mastiguei um papelzinho
E ri debaixo da chuva.
Eu sobrevivi.
Eu saí no meio da noite
E quando estava no meio do mar,
Percebi que a água não passava dos meus tornozelos.

O fundo me chamava,
Como se eu devesse morrer ali,
Mas estava tudo lindo demais.
Eu falei com o céu,
A lua cheia brilhava
E eu disse a ela
Que eu escolhia viver.
Venho dizendo isso há mais de um ano.

I choose to live.

Eu apaguei as minhas contas,
Deixei um recado de despedida.
Como eu fiz com as minhas coisas
Intoxicadas de você.

Todos os dias eu descubro
Por que eu quero estar aqui.

Eu chorei com a minha mãe no telefone,
De felicidade.
Eu sorri por tantas horas
E saudei o sol de sete e meia,
Eu nadei para várias direções.

Conversei até de madrugada com estranhos,
Andei um bocado.
Eu tenho andado tanto.

Eu não quis ninguém,
Eu não quis meu próprio corpo.
De repente, adoeci.

Entre tantas outras coisas
Que poderia ter feito,
Eu pensei em você de novo.
Como sempre penso,
Quando escuto qualquer música,

Ainda doi.
Ainda que eu tenha deletado
Todas as músicas que me lembravam você.

"Ah, Dindi,
Se tu soubesse
Como machuca,
Não amaria mais ninguém"

No tanto que eu faço,
Que eu digo,
Reflito,
Me esforço,
Só quero estar bem.
Na profundeza de mim,
Você me assombra,
Feito fosse eu mesma
Me dizendo adeus.

domingo, 24 de janeiro de 2016

Não sou daqui. Não sou de lá. Não sou de nenhum lugar, senão de dentro de mim.

Tudo teu

Nos olhares que troquei
Nas bocas que vi
Nos ares que ouvi
No mar
Até na chuva que
Deus me trouxe,
No chão que era meu
E no céu que era teu
Em tudo que existia
Em mim
No fim de tudo
Pra recomeçar de novo
Em tudo que eu tinha
Em tudo que eu era
E até nos outros
Nas músicas que não tocamos
Em outra era
Em outra espera do futuro
Eu juro
Eu juro por tudo que comi
Pelo tanto que dormi
E pelo cheiro de tudo
Impregnado
Era você por toda parte
Por toda parte de mim

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Stop

Eu parei de comer.
Eu parei de fumar.
Eu parei de te amar.
Eu parei de falar com você.
Eu parei de beijá-lo.
Eu parei de beber refrigerante.
Eu parei de pegar livros da estante.
Eu parei de ler.
Eu parei de pintar.
Eu parei de ser um pouco.
Eu passei a sonhar e fazer planos.
Não parei de viajar, pelo contrário.
Eu parei de visitar a minha casa.
Eu parei de me lembrar da minha vida.
Eu parei de te amar.
Eu parei de falar com você.
Mas não parei de falar com ele.
Deveria ter parado, mas e aí?
Eu tenho um coração mole, uma ética.
Mas isso não faz sentido e até eu sei.
Eu parei de fumar,
Mas não parei de beber
Ou de trepar sem camisinha.
Eu não parei de esquecer das coisas
Ou dos meus amigos.
Eu não parei de ser o que sempre fui.
Mas eu parei de fumar
E de falar com você.
E talvez pare de comer carne,
De beber refrigerante
E de não fazer nada o dia inteiro.
Eu parei de me cortar,
Eu parei de planejar suicídios
E o principal:
Eu parei de desejar a morte.
Eu parei de desejar você,

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Mr. Holmans

- Hey, mister Holmans... What you're doing down there?
- Just relaxing!
- Hey, mister Holmans... Don't you wanna go out, see things?
- I will.
- Hey, mister Holmans... What if you don't have time?
- I do!
- Hey, mister Holmans...
- Love has all the time in the world!!!

(Dream song dialogue)

Tosse, pulmão

Você me fez acreditar
Que morreria por mim
Que sofreria por mim
Eu nunca percebi
O que isso significava
Quando você matava os seus pulmões
Ou se afogava na dor de toda noite
Quando você partia com ela
Se eu soubesse desde o início
Nem tinha ficado
Nem tinha aparecido
Sequer tinha te respondido
Mas talvez,
Talvez isso seja culpa sua
Então devo te agradecer
Pelos oitocentos textos que escrevi
Esperando o teu retorno
Esperando que a tua existência
Desabasse ao meu redor
E reluzisse na cegueira dos meus olhos
Eu demorei
A fazer as perguntas certas
Você nunca disse que viveria por mim
Você nunca sequer insinuou
Que eu valia a pena
Você sabia que queria a morte
E se eu pudesse ir junto,
Era só um bônus
Você nunca disse que seria feliz por mim
Vai ver você tentou, eu nunca sei
Mas não importa
Porque absolutamente nada do que você fez
Foi por mim
Eu era só mais um degrau
Eu era um estranho interlocutor na internet
Agora não sou mais
Eu dizia que te amava
E agora sei que estou doente
Sei que sempre estive
E sei que você nunca se importou
Até pior, sei que você nunca foi quem conheci
Eu era louca quando nos falamos, louca
O que se pode esperar de uma pessoa
Que só enxerga as coisas
Que estão a três passos de um precipício?
Agora eu penso em me calar de novo
Porque sei que a minha doença me corroi
Porque sei que o nome que te dei é muito bonito
Mas adivinha só:
Você me enoja
Você me assusta
E quanto mais eu realmente penso
Mais eu sei que nunca seria capaz de te amar
Porque sou louca
Porque eu amaria o teu interior
Mas nunca o teu exterior
E isso parece não fazer sentido
Mas é você que se apodrece todo dia
Feito um morto-vivo,
Feito um pote esquecido no fundo da geladeira,
Feito roupa molhada amarrada num saco,
Feito aquele cheiro que faz a gente tossir
De tão insuportável
Eu sempre gostei das tuas palavras
De tudo aquilo que nunca foi real
Mas agora sinto repulsa
Como por tantos outros
Você ganha de longe, na verdade
Você é como a própria morte me acenando
Balançando os próprios braços
Pra me alcançar
Eu nunca vou voltar
Isso eu te prometo
Eu nunca vou amar
Alguém que se odeia
Eu nunca vou afundar mais uma vez
Porque eu não aguentaria
Voltar pro lugar de onde eu vim
Já fazem 5 anos
E eu venho evoluindo, eu sei
Ao contrário do que todo mundo pensa
Minha consciência às vezes vai além
Do que devia, do que se aguenta
E você continua uma porta autodestrutiva
Você é uma bomba-relógio,
Um suicida ambulante,
Você é uma causa perdida
Como eu nunca fui,
Como eu nunca vou ser
E eu vou provar pra todo mundo
Até o dia da minha morte
Que eu luto pela minha vida
Que eu quero viver
Que eu sou forte
Mesmo que eu nunca seja amada
E que todos os meus medos se realizem
No lugar dos meus desejos desesperados

sábado, 16 de janeiro de 2016

Porque nem sempre alguém olha pro céu

Eu não conseguia chorar
Então o céu chorou por mim.
Eu não falava mais,
Eu não comia mais,
Eu não estava perto dos meus pais
E também não tinha a quem amar.
Eu precisava de um banho,
Mas não tomei.
Queria me deitar debaixo d'água,
Sentir a chuva me engolir,
Salivar sobre mim
Até que eu fizesse parte do chão alagado.
Permaneci onde estava, seca.
Havia algo errado e eu sabia.
Não era o enjôo, a dor de cabeça ou a fome.
Não era cansaço, eu tinha comprovado.
Eu sabia que algo estava quebrado
Dentro de mim.
Em extrema consciência de tudo,
Existir me incomodava.
Eu pensava em me machucar e em suicídio
Com uma certa frequência agora,
Eu não ia fazer nada.
Eu estava sã.
Só precisava me controlar.
Tentei escrever uns textos
Pra não me calar.
Tentei dizer o que sentia.
Tentei me alimentar,
Mas só comia bobagens.
Tentei não desejar ninguém,
Mas dei mais uma espiada em você.
E como não tinha jeito,
Saí pra beber.
Saí pra comprar farinha de rosca
Na padaria.
Saí pra me afogar na beira do mar,
Numa praia linda.
Eu era uma sereia e nem sabia.
Eu sempre achei que eu tivesse salvação.
Ainda acho.
Especialmente quando o céu me chora,
Eu sei
Que tudo pode ser melhor,
Como já é.
Se eu não pensasse no passado
Eu não saberia
Da esperança que ainda tenho
No futuro.
Mesmo que talvez
Ninguém exista além de mim.
E mesmo esperançosa,
Mesmo otimista,
Mesmo esforçada,
Às vezes toda a minha vontade
É de chorar.
Dormir, chorar, comer.
Às vezes eu sei
Que estou absolutamente só.
E às vezes só o céu me entende,
Só ele me vê.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Solidificação

Esse silêncio doi.
Talvez por isso
Eu tenha cantado todos esses dias.
Eu não quero ficar só,
Então eu canto.
Para que minha própria voz
Me faça companhia.

Eu vou embora.
Eu queria ser mais sóbria
E menos úmida.
Eu queria ser mais calma,
Mais amena, mais saudável.
Eu queria ser menos sonolenta.
Eu não tenho para quem retornar.

Quando fecho meus olhos
Antes de dormir,
Não penso em ninguém.
Quando doi,
Quando os olhos secam,
Penso num nome bonito
De um ser horrendo,
E quase que transbordo
Pela face.

Às vezes fico calada por tempo demais.
Encho a boca de comida e aguardo.
Assisto-me no espelho e quase esqueço.
Nem tudo que me machuca é nomeável.

Eu me despeço de você,
Abstrato como alguém
Que eu sempre conheci.
Eu não te toco ou agradeço,
Eu não te conheço,
Eu não conheço ninguém.
Ninguém me vê.

Volto sozinha,
Com dois corpos estirados sobre o meu,
Debaixo de um sol aguado de mar.
Eu não me afogo.
Mas fico meio doente daquele frio.
Não dou uma semana
E já estarei no próximo planeta.

Prevejo
A solidão que lá me aguarda,
Sensata,
Pacata,
Pronta pra me devorar.
E doi.

Doi esse silêncio inteiro,
Doi e bem no meio,
Eu só quero descansar,
Não tenho voz.

O grande show da amnésia

Não te conheço
Nome, idade ou endereço
Não sobrou lembrança
Pra sequer fazer um retrato falado
Quando você me roubou
E desaparatou no mundo ao lado
Se foram os versos e os regressos
E tudo que nos pertencia
Havia um poço de felicidade
E tem saudade às vezes
Mas não todo dia
Se eu ao menos soubesse
Se eu te conhecesse
Se eu pudesse saber
Da grande dor que nos acometia
Mas te desconheço
Passado, passo, avesso
Sei que você mentia
Mas não sei da tua rua
Ou da tua família
Nem por que chorava
Ou acordava em noites vazias
Eu fazia o que você mandava
E em toda a alegria que encontrava
O desatino que tinha
Tudo apodrecia
Já não te recordo
Já não mais suporto a travessia
No primeiro mês do ano
Eu só me lembro de ser
Quem nunca antes sabia
Sábia, esperta, incalculável
Teu sofrimento nunca me cabia
Parecia que eu ia morrer
Porque era fraca e perecia
Mas sobre a água fria
E entre as águas-vivas camufladas
Eu reconheço
Que não mais te esqueço o nome
Ou cicatrizes velhas
São só elas que eu não posso exterminar
E também sei
Que morre sempre, todo dia
A tua deplorável melancolia
E o toque dela nos meus braços,
Na minha retina e no meu cansaço
Morrem ainda as interrupções da minha noite
E a minha agonia
Fingia que era o que não era e ria
Chorava, brincava do que bem entendia
E agora morre, morre sempre todo dia
Na própria dor aflita de ser humano
Nunca entenderia
Ser eu e sobreviver
É muito para você, seja quem for
Não te conheço o nome
Não me recordo do espetáculo
Era bonito, mas era morte desde então,
Desde que nascia

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Bela Adormecida

Me deixa dormir
Não quero acordar
Não quero ler o que as pessoas escrevem
Não quero precisar correr à meia-noite
Me deixa dormir
Não quero saber das aflições
Não quero a minha mãe preocupada,
A geladeira vazia e a falta imensa dos toques
Não quero
Me deixa dormir
Quero ir pra praia em dia chuvoso
Morrer afogada, pedir socorro
Gastar o dinheiro que não tenho em um sorvete,
Em tequila, num x-tudo sem batata, na praça
Me deixa dormir
Essa vida aqui não faz sentido
Não quero internet, joguinhos,
Não quero assistir séries, filmes
Não quero ele me tentando
Não quero ser assim, absurda, inconsequente
Me deixa dormir
Que dormindo não pareço frágil
Não sufoco, não choro, não pereço
Dormindo minha ansiedade morre
Eu preciso de paz pra evoluir
Me deixa dormir
Me deixa em paz
Me deixa
Que nos sonhos
Tudo volta pro lugar

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Les Intouchables

I can't touch you
Because every sin I have
Remains on you

Não posso tocar-te
Dos meus cílios
Aos calcanhares gastos

De meus seios
Ao espírito que anseia
Pelo conforto breve 
Dos teus braços

Não posso tocar-te
Tua inocência me atenta
À minha malícia crua
Insaciável

E à minha depreciação
Nada saudável
Da minha pele
Percorrida por teus lábios:
Ilusão

Não posso tocar-te
Sem alguém
A quem confessar meus crimes
Sem descanso
Ao meu tormento sem fim
Sem suficientes enganos
Para calar-te em mim

Não posso tocar-te
Porque tua voz oscila
E tua personalidade
Ainda dista da minha realidade

Sobre teus pés descalços
E sobre a tua camiseta jogada,
Quanto aos teus movimentos
E olhar impaciente sobre mim,

Insisto:
Não posso tocar-te
Para que não me enxergues assim
Para que eu mal exista
Para que eu não chegue ao fim

Não posso tocar-te
Nem em minhas poesias
Em minhas folhas vazias
Ou mãos desamparadas pelo ar

Não,
Não posso te tocar
Me repreendo agora
E mais um pouco
Não importa o quanto
Não é hora, agora,
Não posso,
Não

Não posso tocar-te
Não sou tua
Não és meu
Não somos ninguém
Sequer nos conhecemos

Sangue do sangue
De lá, de cá
Não posso tocar
O que nos toca
No mesmo lugar

quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Espelho duplo

Em todas as vezes que eu te disse pra parar,
Em todas as vezes que eu te pedi pra ficar,
Nos meus olhos assustados
E nos meus dedos aflitos,
No meu silêncio sem fim
E nas lágrimas que derramei,
Nos infinitos vôos que peguei
Pensando sempre em você;

Nas ruas angustiadas que percorri,
Nos cigarros que fumei, e então aboli,
Nas músicas que escutei,
Enquanto me apunhalava por dentro,
No meu filme preferido
Que era você em carne e osso
Em versão feminina,
Naquele desenho feito em Santa Catarina,
Sobre o qual nunca te falei;

Sob o sol que me ardia a pele
Ou sob a água que me afogava,
Sob os machucados que não sentia
E sob o teu calor que me aliviava,

Sob o fogo e sob a terra,
Dentro da esfera do mundo,
De tudo, de mim,
Amei você.

Nos textos que não te escrevi,
Porque doía demais,
Nas palavras que não te disse,
Por não suportar minha própria voz,

Em Maysa e Lana, que me punham pra dormir,
Em Jeffree e Ana, que nos traziam de volta,
Em todas as coisas que foram,
Que eu nunca soube mentir,
Amei você.

Nos lábios que cerrei irada,
Nos pisos em que me atirei
- gritava -
Jurei que nunca mais te amava,
Mas nunca pude deixar de ser amada.

Te olhei,
Com olhos de nunca antes,
Toquei
O que restava da tua sombra no meu ar,
Pensei
Que a minha dor agora não era nada,
E desavisada
Te amei,

Como sempre tinha amado antes,
Talvez não soubesse,
Como sempre negava,
Que fosse sempre eu;
Amando você.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Um breve silêncio de dias

Não sabia o que dizer, calei.
Pelos calos que já tinha
E pela tristeza crônica.
Calei pelas decepções
Que me trouxeram os homens.
Calei porque estava
Em meu período de descanso.
Fugi, não pra muito longe.
Sentei ali na esquina,
Numa pedra esquecida no mato
E ouvi as vozes de fato
Me trazerem de volta a minha razão.
Silenciei na verdade meu peito
As coisas que geralmente aceito,
Apunhalei minha paixão.
A consciência me deu um banho.
Quando eu vi já não mais era,
Já não esperava ou buscava,
Já não prometia.
Tentava dia por dia
Cumprir o já combinado,
Num egoísmo centrado,
Sem obsessão nenhuma.
Concessão, noites breves,
Passeios debaixo do sol.
No primeiro trecho
Eu ainda não sabia
Como morrer meu coração.
Mas a agonia das vezes tantas
Já se deitava sobre a cama,
Por vezes chamava meu nome
Se escondendo no cansaço.
Era minha,
A cama, a fadiga,
A agonia e a vida,
Que eu recomeçava a viver,
Como em todos os outros anos.

Eu me calei
E meu silêncio
Era mais forte que todos os outros.
Não me acometia,
Porque eu não tolerava
A saudade ou solidão
Que só eu mesma trazia.
Se eu fosse calada,
Se não me desesperasse,
Se não fumasse pra sempre,
Se bebesse quase nada,
Talvez eu tivesse tempo
De lembrar de quem já fora.
Renascer da minha ira
E nunca mais ir embora.
Enfim, ter a minha paz,
De ser eu, dentro de mim,
De ter uma vida assim,
Sem motivo e incompleta
Que nunca ia ser correta.

Talvez eu me recordasse
De me suportar.