segunda-feira, 10 de abril de 2023

Altar

A minha memória escassa
Do teu peso quente
Molhado, me escorrendo
Me prensando contra mim
Me ralando, um descascador de legumes
Dos que eu usava quando nova
E fatia por fatia, me trazendo de volta
Pra me mostrar como que eu nasci
Por quê eu nasci

Mas me empurrando enquanto me lembra
De como eu vou acabar:
Com o chumbo do mundo
(como o teu)
Forrando meu fim.

Penso que talvez nunca devesse tê-lo conhecido
Encontrado, me despido
Entranhado seus giros e cíngulos
Por regalia de criança, por egolatria
Sinto que devia tê-lo deixado ser
E poupado-me do vislumbre
Da verdade do corpo
Que talvez vá muito além do sim e do não

Mas de que me servem esses pensamentos
Se meu corpo já foi seu
Eu já fui sua
E você já foi meu

E por mais que minha amnésia vá apagar a isso,
Como a todo o resto
Essa memória é perene
Eu te amei
E você me mostrou todo um universo

domingo, 9 de abril de 2023

Fisionomia 13

Escorrego e caio
Num buraco de minhoca do passado
Existo entre telas
Em espectro
Uma sombra, reflexo
Da realidade
Esta realidade não existe pra mim

Uma solidão do passado me alcança
Que já não la creía carregar comigo
Não en esto shape, formato
Pensava tê-la cozinhado durante décadas
Que estava amarga de vida
Mas estava ainda um broto,
Recém irrompido da terra
Nutrido da chuva
E a chuva não cessava

A coluna por outro lado,
Não me tardou o lembrete
Ou me desvisitou nem que por segundos
Meus ossos me pesavam tal como
A aura dele sobre mim
Me puxando, uma âncora firme
no fundo do chão
(e do chão não passava, mas também não saía)
Como se ele tivesse entranhado em minhas vértebras, 
Sangue da minha carne,
Me torturando por dentro
Um parasita, 
Me desexistindo, 
Me roubando de mim

Dentro do meu crânio,
Eu era pequena,
Como a massa cinza, que 
Para mim cor-de-rosa,
Fosse tão enormemente minúscula,
Que eu encolhia muito muito os ombros,
Tentando me caber dentro de mim,
Deste meu corpo dentro do meu corpo 
— o verdadeiro –
E as camadas de carne abaixo
Fossem vestes e mais vestes
Que eu pusesse por cima
Para amenizar a agonia
De ter meus nervos expostos
Ao gelo e ao sol
E à força dos pingos de chuva
Quando o granizo são gritos
Do que deveria ser amor

Eu me perco no tempo
No espaço e no tempo
Na concordância
Me perco no corpo
Perco meu texto,
Perco meu caminho
Perco a vida,
Pois que a assisto passar
E com os olhos cheios e peito seco
Sinto o ar se esvaindo de mim
E o resto de luz que tenho se apagar

Tento pisar no chão
Dar um passo, outro
Com dificuldade
Fazer um mergulho
Olhar pro céu
Mesmo que me doam os olhos
Como me doíam
Sentir essa dor
Tolerá-la
E mesmo que não faça sentido
Tento enquanto puder tentar
Porque é o que me resta
Eu sou a faísca da minha própria realidade 
Só eu posso abrir o portal de volta