sexta-feira, 22 de março de 2019

Gato Preto

Ela cruza o meu caminho
Eu me arrepio num salto
Ela não percebe
Meus pensamentos depravados
Estão em todas as paredes
Escorrem verdes e lúcidos
Gritam, qual chamadas de prostíbulos
Em tom neon psicotóxico
E se não tenho as mãos ocupadas
Afogando-me na mediocridade humana
Quase que me deixo escorregar
Topar a quina do dedo
No quebra-molas
Deixar passar
Que sigo sempre alcoolizada
Enquanto manejo o volante
Que está muito mais cravada em mim
Essa ideia introjetada
Essa essência crua e vil
A identidade que todos me negaram
E da qual se mantiveram escondidos
Que sou eu
O exato extrato
Da substância que me querem que ceda
E que se faça o soro
Para me curar.

Enigma

The beast inside of me
Must be fed
But it feeds with poison
And I wish to live
There's a whole bible
Of nude, crude truths
I must not tell you
I scout you from above
I scan you, and confirm
You're not tough enough
And I'm too sick to teach

I'm a very difficult dillema
An unsovable one.

Neither of them can live
For my appetite is wide and lasting
And each one carries a piece
Of the same wish
To finally finish the others
Then, conqueer my soul.

quarta-feira, 20 de março de 2019

Noite

Meus lábios meio dormentes, meio mortos
intoxicados e transtornados,
invadidos por algum monstro bêbado que puxei pra perto;
As mãos me violando as roupas íntimas,
o hematoma nascendo nos seios
e as unhas sujas, mal cortadas
tentando me partir em duas por dentro da calcinha
amarelada de urina
do banheiro sem papel ou sabonete
com cheiro de vodca vomitada;
Meus cabelos lacerados,
ímpeto destrutivo:
nunca vou me torná-la;
Maquiagem borrada, suada, falha,
batom desbotado dos copos, marcados, latas,
bordas vermelhas, pisoteadas no chão, lameado;
Ponto circular corroído na saia emprestada,
do décimo cigarro da noite,
isqueiro dentro do maço, maço na mão,
pulmões comprometidos;
Pés estraçalhados,
dedos moídos,
garganta seca, voz danificada,
sentada na escada,
num canto qualquer, sentindo uma brecha,
uma brisa, um pedaço de lua,
uma tristeza profunda,
um desespero surreal.

Peter

Tudo nessa vida se faz correndo
Abandonar os sonhos
Derrubar os prédios
Abonar as (dí)vidas
Esfriar o sangue do preto sem nome
Rasgar o portão da moleira
Chutar a última cadeira
Costurar a gêmea perdida
Arrebentá-la novamente
Fugir do lar
Do leite do peito materno
Raspar o útero
Foder mais uma em coma
Imitá-la
Procurar uma artéria
Descascar a ferrugem
Do brinquedo em defeito
Vestir-se, despir-se
Matar o propósito
Engolir o suor
Dos acorrentados
Demolir os pés
Arrastar-se nos cacos
Pedir socorro e ser ignorado
Pulsar o sangue no órgão
Interromper-se
Natimorto
Na mesa de cirurgia

quinta-feira, 14 de março de 2019

Pavio

Sei que estou morrendo.
Sinto se esvaírem minhas forças
e a realidade fugindo de mim.
Me esqueço de quem sou,
Penso que talvez nunca tenha sido.

Decido pedir ajuda,
Prometendo a mim mesma
que essa vai ser a última vez.

Espero que não seja.
Assim, eu sei
que ainda estarei aqui.

Não sei o que me mantém,
Se é o medo da morte
ou a culpa
dos que deixarei.
Se são os assuntos pendentes
ou o amor que sinto
e ainda não terminou de queimar.

Sei que estou queimando,
Sei que estou morrendo.
Decidi acender a vela de meu velório,
já faz nove anos.

Ainda estou aqui.

domingo, 10 de março de 2019

Furacão

Eu sou um furacão de bolso.
Versão pocket.
Grande, gorda, mas pocket.
Eu sou um pedacinho de revolução.

Desde meu corpo
Que cresce ocupando espaço
E pisa e grita e roda
[Mulher rodada]
Onde não pode pisar
Aos meus discursos desconexos
Frágeis
Cheios de espinhos e minas no campo
Uma bomba-relógio
Ativada com sangue
Que eu mesma tiro de mim.

Eu me movo como quero
Ando torto nas regras
Fujo do que me é certo
E entro no descabido
Para vestir minhas roupas ao contrário
E pintar meu rosto com minhas tintas velhas
E dobrar as mangas na minha barriga
E declarar que tudo que se vê ao redor
De meu profundo umbigo
É o universo.

E na permanência
De minha vida
Quem manda sou eu.

Eu abro as minhas pernas
No fuso horário errado
Para alimentar meus tornozelos
Com a comida mais barata do posto
E se não provo de todas as drogas
Para saber de tudo que me falam
É porque sou eu
E existo
Em meu apocalipse
Não quero me perder nos escombros
Dos limbos de outros
Já tenho meu próprio oceano
No qual me afogar.

Eu sou os transtornos mentais
Dos artistas natos
O abuso e a violência
E também a insistência dos servos divinos
Em manter uma falsa ordem
Neste caos

Eu vou e volto
Em meus caminhos
Meus passos
Mesmo despedaçados
Mesmo deitada fúnebre
Sobre meu empoeirado caixão

Com minhas músicas
E poemas tristes
E lamentos hipocráticos
E feitiços satânicos
De cura e proteção

Eu sou meu próprio abismo
E do amor de outros
A minha falta de sentido
E perpétuo conflito
Foram o parto do mundo
Entre a harmonia e o pandemônio.

Vai, Carnaval, pode ir. Eu te absolvo. Fecha fevereiro e afoga março.

sexta-feira, 8 de março de 2019

Braços

Cada abraço tem vida própria
Única
Como um ser
Que fosse nascido
Pra morrer em alguns instantes

Às vezes não te toco.
Os dias nascem e morrem
No horizonte cego
E estou longe.
Não sinto seu coração,
Não sei das coisas que faz,
Do mundo que sente,
E nem se te arrancasse os olhos,
Me fizesse lente,
Eu conseguiria enxergar tal qual.

Às vezes não nos conhecemos.

Tem dias
Em que escuto pelas frestas
Um eco distante de teus murmúrios,
O arranhar macio de tua digitais
Marcando toda a parede do corredor.

Tem dias, sei,
Em que me ouves chorar
Baixinho, baixinho
Sob as cobertas
Dizendo que perdoo o carnaval
Por despedir-se assim
Sem me encontrar.

E se me encontra tu
Ou ele,
A festa da morte ou
Um sonho breve de depravação,
Eu conheço meus dois braços gordos
De sempre
Que não os reconheço no espelho
Mas que sei usá-los
Prontos para atar em ti
A minha solidão.

sexta-feira, 1 de março de 2019

Vertigem

Me doi o tornozelo
E toda a parte direita
Da estrutura de minha coluna
Desde as omoplatas à bacia
Destruída
Moída feito acidente de trânsito
Um caminhão
Que passou por cima de mim
Doi
Meu pulso direito
O dedo mínimo exausto
E sinto uma pressão
Em meus ouvidos
Nada faz sentido
E se é o sentido
Que me dá forças para suportar a vida
Não sei mais o que faço
Para continuar a viver
Você se despede, doente
Depois de uma porção minha de risadas
Minha noite se descolore
E eu odeio meu reflexo no espelho
Tudo que existe é passado
Nada que tenho vivido é real
Procuro Isabel
Que um ano atrás
Estaria me salvando dessa loucura
Me jogando no mundo,
Tentando coisas,
Pulando glitter,
Do lado de fora da casa
Com alguma vontade de ser alguém
Mas agora
Como todas as vezes
Que existem depois do bem
Me sinto morta
Perfurada pelos estilhaços
De meus próprios ossos
Destroçados
Torrada
Pelo calor
De minha própria proteção
Me sinto morta
E nem mesmo com todas as minhas dores
No meu tornozelo arrebentado
Ou vértebras quebradas
Na minha infinita dor muscular
E náuseas
Nada disso
Me prova que estou viva, aqui
Nada me faz querer
Continuar aqui.