sábado, 31 de julho de 2021

Ácidas

Minhas lágrimas escaldam meus olhos
Descamam a pele,
Me fazem de uma sereia, um peixe feio
E eu odeio peixes

A manifestação em meu pescoço
Se alastra
Como um incêndio em temporada seca
Fervendo a minha pele em brasas e agonia
Tornando-a irmã
De minha queratina fina

Meus dedos com suas unhas afiadas
As afiam nos móveis, nos cobertores, nas paredes
Nos dentes
Na pele, em si próprias, 
Nos cabelos

Garras de gato, agulhas
Que lanham meus ferimentos
E os abrem e os expõem cada vez mais
Para que entrem seus invasores
Com seus movimentos
Para que mais me queimem, 
Mais me ardam,
Mais me borbulhem
Como um refrigerante triste
Como um refrigerante ácido

Que limpa os azulejos
Os vestígios
Bicarbonato de sódio
Com vinagre
Uma combustão de mim sujando o recinto
E os desinfetantes
Dentro de mim
Tentando me desintegrar

Meu corpo tenta limpar-se de si

Low Standards

comida
casa
e um

ao menos,
dois comigo

sexta-feira, 30 de julho de 2021

Não pregue os olhos

Não pregue os olhos
Pregue uma cruz
Pregue seus dedos 
E a palma da sua mão
Não pregue o perdão
Ou qualquer tipo de paz
Não finja, não pense
Olhos ultra abertos
Pregue a guerra
Pregue a morte
Pregue as pálpebras nas sobrancelhas
Pra nunca cair no sono
No tédio, o ápice da vida
Pregue o fim da vida
O fim do ápice
O fim dos tempos
Pregue em suas têmporas,
Um em cada
Pregue suas costelas,
Os ossos, as moelas,
Através delas,
Pregue o sangue 
E a dor
Que é a única linguagem
Que lhe resta
Ou restou
Pregue um a cada minuto
Até cobrir o corpo
Até cobrir-se de inimigos
Até encher o recinto
De todas as pragas
Pregue-se à última ideia
A um conforto desesperado
A um puro desespero agonizado
Ou qualquer coisa crítica, aflita, vívida, explícita, obscena,
terrena e ácida
Mas não pregue os olhos.

quinta-feira, 29 de julho de 2021

A corrida

Velozes os besouros furiosos zuniam aos gritos, passo que as vespas ameaçavam ferroar a todos e eram temidas por seus feitos; As abelhas gritavam como fortes mas não levadas a sério pois todos sabiam seu destino e que não cumpriam suas promessas de ameaças.
E ainda assim corriam no meio do caos e contribuíam com o pânico geral, enquanto os vagalumes acendiam seus traseiros irritantemente como flashers que me tentassem uma desfibrilação luminosa, agulhadas de enxaqueca, e em algum lugar perdida uma cigarra cantava me atordoando os ouvidos, eu quase não ouvia mais nada se não o som neutro daquela cigarra que não se podia enxergar... E então havia essa joaninha perdida no centro de tudo. Os insetos corriam em círculo como uma competição de fórmula um, corrida perigosa, e ela pensava "como vou escapar daqui?" Eu conseguia ouvir seus pensamentos. Eu ouvia todos os pensamentos daquela arena. E eu ouvi seu desespero em tentar sem sucesso encontrar uma saída, uma brecha, um plano de fuga sequer. Uma esperança de escapar. Até que surgiu uma mariposa. Ela grande e misteriosa. Não mostrava as suas asas abertas, não dava pra ver a sua idade, mas ela tinha uma aura de gente muito antiga. Ela se sentia assim, antiga. Saiu das sombras e deu um vôo tão rápido que ninguém conseguiu entender bem o que aconteceu segundos antes que a corrida desmoronasse e a joaninha tivesse a chance de escapar de lá. Eu fui com ela.

As camomilas

Não eram cigarros,
Eram pequenas flores,
Enganchadas em suas folhas-árvores, pinheiros natalinos
Noivas, em véus despedaçados,
Que refletiam a beleza mais pura da vida, do dia, a própria luz,
Me quer ou não, ser ou não ser
Desabrochar, ser um botão, ou
Viuvar-se de si
A alma exposta de todas
Um grupo de almas, um berçário de todas as idades

Da morte uma dose
Para suportar
E acalentar
A dureza da vida

O emaranhado de arames daquela casa crescia inevitavelmente.

Quanto mais podado, mais se fortalecia, uma erva daninha, hera venenosa tomando conta de tudo. 

Eram grossos, curtos e dourados.

Eram pontiagudos, como diamantes que nascessem lapidados.
Ela cheirava a morangos.

Era uma vez... uma garota porco-espinho.

Boneca de porcelana

Queria ter uma estante pra te colocar.

quinta-feira, 8 de julho de 2021

I don't take steps. I float around spaces with the energy of those who half-walk.

Bonedog - Eva H.D.

Recitado por Lucy em I'm Thinking Of Ending Things:

Coming home is terrible

whether the dogs lick your face or not;
whether you have a wife
or just a wife-shaped loneliness waiting for you.
Coming home is terribly lonely,
so that you think
of the oppressive barometric pressure
back where you have just come from
with fondness,
because everything’s worse
once you’re home.

You think of the vermin
clinging to the grass stalks,
long hours on the road,
roadside assistance and ice creams,
and the peculiar shapes of
certain clouds and silences
with longing because you did not want to return.
Coming home is
just awful.

And the home-style silences and clouds
contribute to nothing
but the general malaise.
Clouds, such as they are,
are in fact suspect,
and made from a different material
than those you left behind.
You yourself were cut
from a different cloudy cloth,
returned,
remaindered,
ill-met by moonlight,
unhappy to be back,
slack in all the wrong spots,
seamy suit of clothes
dishrag-ratty, worn.

You return home
moon-landed, foreign;
the Earth’s gravitational pull
an effort now redoubled,
dragging your shoelaces loose
and your shoulders
etching deeper the stanza
of worry on your forehead.
You return home deepened,
a parched well linked to tomorrow
by a frail strand of…

Anyway . . .

You sigh into the onslaught of identical days.
One might as well, at a time . . .

Well . . .
Anyway . . .
You’re back.

The sun goes up and down
like a tired whore,
the weather immobile
like a broken limb
while you just keep getting older.
Nothing moves but
the shifting tides of salt in your body.
Your vision blears.
You carry your weather with you,
the big blue whale,
a skeletal darkness.

You come back
with X-ray vision.
Your eyes have become a hunger.
You come home with your mutant gifts
to a house of bone.
Everything you see now,
all of it: bone.

Recitação de Jessie Buckley interpretando Lucy no filme:

https://youtu.be/KfT5NCALC-g