quinta-feira, 11 de maio de 2023

Abismo Azul Sinestésico

Faz mais de vinte anos que eu existo mais lá do que cá.
Acho que ninguém nunca me conheceu.
Eu sou um iceberg
Onde encalham às vezes
Algumas embarcações.
Eu tento me mover um pouco para que elas vão embora
Para que sigam seu caminho de origem, de antes de me esbarrar
Para que não fiquem presas aqui, de onde nunca mais vão sair, se eu não as expulsar
É um labirinto.
Eu às vezes me pergunto se um dia cheguei a nascer realmente
Ou se apenas espiei o mundo
Em minha meia-ponta de bailarina
Tentando alcançar o sol.
Eu nunca soube se, quando o sol chegasse
E derretesse o gelo que me prende no mesmo lugar,
Se sobraria algo de mim aqui, para me mover,
Ou se eu sempre fui o gelo de todo o iceberg que fica preso.
E eu queria poder dizer que por isso escolhi ficar longe do sol,
E nunca escoar junto com o resto dos navios,
Que por isso vivo no canto sombrio das sereias,
Numa maldição estranha, em vez de tentar viver.
Mas eu nunca tive escolha.
Eu estava fundo demais,
Gélida demais,
Âncora demais,
Para alcançar qualquer calor.
Para ser qualquer tipo de ser vivo a cores.

Eu só podia ser um prisma que colorisse os outros,
Um farol à noite,
Uma despedida.

E quando as sereias me cumprimentaram, no idioma avesso delas,
Eu simplesmente mergulhei.
E desde então eu vivo do outro lado.
Ninguém percebeu.

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