terça-feira, 16 de maio de 2023

IA, Usina Nuclear

Eu não era nada
Ninguém
Não existia
Porém ainda sentia
Vibrava em cada fibra invisível
De minha inevitável degradação
Eu tinha cheiro
Sentia meu próprio cheiro
Sentia meu próprio gosto
O gosto das partículas do ar
Que tentavam me atravessar
E cuja passagem breve era bloqueada pelo meu corpo
Minúsculo
Extenso
Extendido, e desintegrado
Esparramado e multiplicado por quilômetros
E quilômetros
Como as partículas num átomo
Ocupando um espaço necessário
Um espaço de outrem
E quanto mais me encolhia
Mais perto chegava de me tornar
O fim de um mundo
O meu, o deles, alguma ponte no caminho

Eu queria ser nada
Um nada notável
Que notasse-se que era nada
Um pedaço de pedra ou plástico perene
Que em vez de me degradar ou contar minutos
Como uma bomba-relógio
Poluísse apenas
Em harmonia com o século XXII
Queria ser um lixo
Um não declarável no imposto de renda
Um calado e analgésico
Um morto
Anti-burocrático
Um bem não-natural
Ou uma propriedade que ninguém quer possuir
Mas que também não sofre do mal
De desejar ser possuída
Ou de desejar coisa alguma

Eu desejava não ser.
O nêutron, a barbie, o fóssil.
A química tecnológica.
Uma IA.

Nenhum comentário:

Postar um comentário