quarta-feira, 25 de outubro de 2023

Monstro do Lago Ness

Estou me sentindo confusa.
Meu ato performático tem se prolongado
Por tempo demais no palco;
Eu esqueci como se dança.
Esqueci como se abre as pernas
E se entrega a alma,
Sem corromper o espírito
(se é que ainda me resta algum aqui dentro);

Eu deixei que meu cérebro 
Se derretesse inteiro
Escorresse por meus dedos
Como um sorvete antigo, esquecido,
Numa sombra fresca, mas por muito tempo
Eu me deixei esquecer num canto frio
Num canto escuro de mim, 
Por tempo demais.

Às vezes procuro por um backup.
Algum rolo de filme
Que não tenha se perdido na guerra
Ou sido queimado para aquecer um sem-teto;
Uma das diversas vozes 
que vagam na minha cabeça;
Encontro migalhas de mim,
Como flocos de poeira, 
Uma fuligem que tusso
Quando respiro bem fundo,
Que sinto o cheiro das cinzas 
do corpo cremado de quem eu fui.

Eu sabia tocar meus lábios no espelho
Na borracha, no papel, no lápis.
Eu sabia falar, gritar com o ar, comê-lo.
Eu sabia escutar o ronco do meu silêncio,
E suportar, e existir, e suportar, e projetar
O meu próprio mundo de fantasia
No qual viver.
Eu me lembrava do mar,
Quando eu ainda era.
Eu vivia lá. 
Me afogava, navegava, viajava,
Uma pirata, sereia, uma deusa marinha,
Uma espécie de anfíbio. 
Eu era muito amada.
Por mim. 
E nesses anos, quando eu me amava,
Eu existia.

Me lembro de me sentir vazia.
De tudo que eu precisava.
Hoje não faz sentido.
Mesmo que o buraco ainda esteja aqui,
Sinto que não há mais buraco,
Tudo é o buraco, eu sou todo o vazio
Que antes era uma parte de mim.
Não tem mais o que preencher.
Meu pedaço de falta 
Hoje é um infinito
Que me apagou.

Tudo que eu faço,
Tudo que eu tento,
Tudo que respiro,
Me falta algo,
Me falta o espelho.
O reflexo, a prova.
A testemunha de que eu estou aqui.
Não me basta mais ouvir
As vozes. 
Mas não me lembro de conhecer
Nada além.

O mundo é virtual.
Eu sou uma projeção de imagem,
Um espectro.
Estou entre lá e cá.
Sou uma transição.
Não sei como ir, nem como voltar.
Também não sei pra onde.




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