sexta-feira, 27 de outubro de 2023

Gato numa Caixa

Será que tudo bem
Ser corriqueira, previsível?
Porque quando não sou
Ou eu me mato ou mato alguém
Mato uma arte, ou trato alguém de idiota
Que é o meu maior pavor
Se eu ao menos tivesse um teclado
Pra tentar nem digo me expor, mas
Pelo menos me expressar...

Será que tudo bem eu não ser mesmo especial
Que diabo deveria querer dizer
Alguém ser especial?
Eu tenho tentado toda minha vida
Romantizado todas as patologias
Porque é tudo o que eu conheço além de arte
E eu acho arte e me disseram
Que arte é coisa de maluco
E eu sou maluca com certeza, me disseram
Mas isso eu também sabia
Lá pelos meus 5 anos
Quando eu ganhei consciência
De que eu era eu e não todo mundo
Como minha mãe dizia
E ela ria
De tudo tudo tudo que era meu

Será que querer ser extraordinária 
é uma ideia ridícula?
Será que todos sempre vamos morrer sós?
Dentro de nós mesmos, desamparados mesmo?
Não há nada o que fazer?
E se não há, por que eu tô perdendo tanto tempo aqui?
Pra que fazer arte? Pra que tentar?
Pra que tentar me comunicar?
Pra que respirar em qualquer lugar?
Pra que resistir e lutar e viver
Se viver é ser corriqueiro

Acordar toda manhã com tédio, tédio
Ouvir barulho de transporte
Grito, gente vender coisa, 
Nem achar isso bonito,
A gente feia, cheiro chato,
Cansaço, rio de janeiro,
Cidade urbana cinza,
Trem, metro, barca e ônibus,
O resto a pé no sol de meio dia,
Ou das seis da tarde, e se você sabe
E sabe, e se é sexta, você corre
Porque ali tua alma morre, 
Pôr do sol é um inferno,
Final da semana é guerra,
Comida é com inseto, fila e cotovelada,
E alguém sempre com fome do teu lado
E a vida é isso
E o que eu faço com isso?

Eu tô parada faz três anos.
Trancada nesse quarto minúsculo
A vida lá fora nunca fez sentido pra mim
E precisa fazer sentido?
E precisa viver a vida?
E se eu tiver (e tenho) a opção de não viver mais?
E o que eu faço com isso?
Com a "liberdade"?

A verdadeira liberdade é saber 
que você tem a escolha
de acabar com tudo
(pelo menos pra você)
E também saber que todas as suas escolhas
São exclusivamente suas
Como todas as escolhas dos outros são respectivas
Porém escolhas presumem consequências
E morrer pode não trazer consequências.
Como se pondera isso?

Não consigo passar do Schrodinger da morte.
Estar e não estar viva, é uma hipótese 
que não consigo processar.
E então não consigo tomar uma decisão.

A vida não parece ter nada para mim.
Felicidade é uma possibilidade rasa.
Companhia é um fantasma, 
uma sombra na água que eu tento tocar.
Amor é um abstrato sonho do qual eu tento abdicar.
Não compreendo seu significado.
Sinto meu vazio se espandir em facas
e me dilacerar por dentro.
Simplesmente ser e estar é insuportável, insustentável.
Sinto meu corpo se degenerando de dentro para fora de tanta dor.
Minha coluna se corrompe literalmente 
como se o triplo de décadas já tivessem 
me devorado.
Me sinto uma alienígena percebendo o tempo
em escala diferente dos terráqueos.

Talvez se eu fosse capaz de apenas tolerar
Que nunca será nada além disso.
Que sou um resto de ser me decompondo
Que não há arte, que não há outro, que não há mais,
Talvez ainda me restasse alguns anos
Talvez retardasse o progresso do meu adoecimento,
Ou a dor que me acompanha escalonante
Mas pareço não compreender esse tipo de vida
Se algum dia eu o compreendi,
Já não me lembro.
Gostaria de me lembrar, mas toda vez que tento
Me lembro de coisas que,
Deus sabe o quanto era melhor esquecer.

Talvez eu sempre tenha sido um corpo descartável
Um cérebro descartável
Um nada invisível, ignorável,
Numericamente desprezível.

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