quinta-feira, 27 de julho de 2023

A horta

Você
planta uma semente
num útero:
espaço quente e sombrio,
aquático.
Você planta uma sereia,
ainda sem escamas
que você as virá a talhar
e descamar
num futuro breve,
Como a um peixe de feira,
cuja cauda decepada
Se faz refeição de uma 
inteira família.
E assim você planta a sua refeição.

Você amola a faca;
Me ajusta o anzol bem cedo,
alguma espécie de doce
com veneno paralisante;
E enquanto eu me debato
mergulhada no leite morno,
Você lambe os beiços.

Batom vermelho,
cabelos presos,
Fome de mundo.
O rugido de todas
as Feras Famintas e
a dança sedutora
do acasalamento entre
o predador e seu banquete.

Nenhum amor é maior
do que o amor por manter-se vivo.

Você abre bem a boca
Com todos os seus trinta dentes
Muito bem afiados.
Seus olhos vermelhos saltam
Como em um desenho animado,
Mas é na verdade um filme de terror.
Você é uma sombra negra
Rastejando na noite,
Finalmente dando um bote,
Que esperei durante mais de vinte anos.

E surgiu tão traiçoeiro como previsto.
Talvez estivesse esperando 
eu engordar bastante,
Como nos filmes de bruxa,
Talvez isso explique os bolos, 
os de banana e os de chuva, 
os de arroz e as panquecas. 
Talvez isso explique os risotos 
e o macarrão.
É, eu precisava estar gorda
o suficiente para te fartar.

Você me avança.
Eu danço com você.
Em solo eu tenho pernas e
Tenho treinado.
Você não esperava que eu
Soubesse dançar.
Você não sabia que havia plantado
Garras e Dentes,
Mas eu também tinha espinhos,
E o veneno que você me deu,
Agora faz parte de mim.

Você late bem alto,
Eu rosno de volta.
Tenta um ataque,
Eu deixo uma mordida.
Você finge que chora e pede pena,
Eu te desprezo.

Você não sabe que eu tenho
Te escutado desde que brotei
De dentro daquela lama
Em que você me enfiou.

Eu te olho como um espelho de ódio
Sou um fruto de tudo que você deseja
E você deseja morrer, matar e morrer.
Você se detesta.
Mas não vai se deixar ser devorada.
Não sem uma luta muito boa.
E eu também não.

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