quinta-feira, 27 de julho de 2023

Sangue aos 19, aos 27

Da faca na minha mão
Escorre o sangue
Ainda fresco
A tinta vermelha
Que usei naquele meu quadro branco
Quadrado e simples
Que ninguém o conheceu
Uma obra de arte secreta, como tantas
Como muitas,
Como metade de mim,
A metade de baixo
Que mora no lodo e no grosso
Do iceberg

O fio da faca ri
Como um eco em acústico
Por essas paredes grossas
Nos infinitos corredores da "minha" casa
Desse viveiro de ódio
E de quase morte
Em que cultivo o silêncio
Que me culmina à condenação

E enquanto esse sorriso,
Eu despejo docilmente
Uma sedução infantil
Buscando agrado
Ensaiando um ser farsante
Uma grande fraude
Pois que a coleira de choque
Não precisa fincar
Na minha espinha dorsal
E me atirar convulsiva ao asfalto
Para que eu me mantenha com medo
Para que siga muda
E obedecente
Pois que a rebeldia intacta
Me ameaça morte
E houve prova
De que não haverá luto

Engulo minhas tripas
Talhadas por coleções infindas
De lâminas de línguas agiletadas
De víboras que me atiraram
Seu veneno como flecha
Guela adentro
Um jato ácido de morte
Pouco a pouco
Me roubando os anos
Engulo tudo isto
Cerro os dentes 
Como bruxa
Amordaçada e
Pronta pra queimar

Giro no espeto
Sorrio, moça
É o que moças fazem
Sorriem
São agradáveis
Imploram pra não morrerem
Ou serem assassinadas
Pra não terem suas vidas
Arrancadas de seus corpos
Na base da força
Sob um pretexto
Ridículo de um prazer
De alguém que nem existe
Ou está morto.

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