quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Poesia da morte

Que morra o meu fígado.
Que morram os meus pulmões.
Que morra o meu coração,
E também a minha traqueia.
Que morra o meu estômago
E o meu esôfago.
Que morram os meus dentes,
Os meus olhos,
O meu nariz.
Que morram os meus pés,
E os meus joelhos,
E os meus seios,
E as minhas sombrancelhas.
Que morra o meu cabelo.
Que morra a minha bexiga.
Que morra o meu útero.
Que morra o meu útero de novo.
Que morra o meu intestino.
Que morram os meus neurônios overdosados.
Que morram os meus tímpanos exaustos.
Que morram os meus dedos,
Que te tocaram.
Que morram os meus lábios.
Que morram os meus punhos,
E os meus pulsos.
Que morra a minha coluna,
E as minhas coxas gordas.
Que morram as minhas cordas vocais,
Arranhadas de escândalos.
Que morram as minhas unhas quebradiças.
Que morram os meus dedões do pé,
Que não servem para nada além de doer.
Que morra.
Que eu morra.
Que morra o meu medo.
Que morra o meu cotovelo.
Que morra a pulga,
E a orelha.
Que morram os meus pelos pubianos.
Que morra o meu pâncreas.
(Pra que que ele serve mesmo?)
Que morra o meu apêndice.
Que morram os meu ombros,
E a minha nuca,
E a minha espinha.
Que morram as minhas pontas duplas.
Que morra o meu osso quebrado que calcificou.
Que morram as minhas cicatrizes.
Que morra a minha tatuagem.
Que o sol e a lua morram.
Que morra a minha pele.
E as minhas veias,
E as minhas artérias.
Que morra a minha hemoglobina.
Que morra o meu espírito feito de carne.
Que morra o frango à milanesa.
Que morra o meu umbigo.
E o universo que gira em torno dele.
Que morra o cordão umbilical
Do futuro,
E do passado.
Que morra o tempo,
A vida,
E a hereditariedade.
Que morra o gen.
Que morra a morte.

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