quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

O grande show da amnésia

Não te conheço
Nome, idade ou endereço
Não sobrou lembrança
Pra sequer fazer um retrato falado
Quando você me roubou
E desaparatou no mundo ao lado
Se foram os versos e os regressos
E tudo que nos pertencia
Havia um poço de felicidade
E tem saudade às vezes
Mas não todo dia
Se eu ao menos soubesse
Se eu te conhecesse
Se eu pudesse saber
Da grande dor que nos acometia
Mas te desconheço
Passado, passo, avesso
Sei que você mentia
Mas não sei da tua rua
Ou da tua família
Nem por que chorava
Ou acordava em noites vazias
Eu fazia o que você mandava
E em toda a alegria que encontrava
O desatino que tinha
Tudo apodrecia
Já não te recordo
Já não mais suporto a travessia
No primeiro mês do ano
Eu só me lembro de ser
Quem nunca antes sabia
Sábia, esperta, incalculável
Teu sofrimento nunca me cabia
Parecia que eu ia morrer
Porque era fraca e perecia
Mas sobre a água fria
E entre as águas-vivas camufladas
Eu reconheço
Que não mais te esqueço o nome
Ou cicatrizes velhas
São só elas que eu não posso exterminar
E também sei
Que morre sempre, todo dia
A tua deplorável melancolia
E o toque dela nos meus braços,
Na minha retina e no meu cansaço
Morrem ainda as interrupções da minha noite
E a minha agonia
Fingia que era o que não era e ria
Chorava, brincava do que bem entendia
E agora morre, morre sempre todo dia
Na própria dor aflita de ser humano
Nunca entenderia
Ser eu e sobreviver
É muito para você, seja quem for
Não te conheço o nome
Não me recordo do espetáculo
Era bonito, mas era morte desde então,
Desde que nascia

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