terça-feira, 29 de novembro de 2016

Ínsula

Você se deita.
O corpo despedaçado,
Imundo, um calor desgraçado.
Quando vê, apaga.
Acorda às duas e quarenta
Da madrugada.
É muito cedo, decide.
Volta a dormir.
E percebe,
Em sua incansável consciência,
Que aquele não é o mundo real.
Então, percorre
Uma sequência interminável
De pesadelos
Cujo grande trunfo
É o próprio medo.
Nada acontece de fato.
Você sonha com a sua mãe
Te "consolando" no meio da noite.
Tá tudo bem, para de chorar
E vai dormir.
Você não percebe
Que essa parte é um sonho também.
Se percebesse, não funcionaria.
No sonho, você volta a dormir
E mais pesadelos seguem.
O despertador toca,
Anunciando a real segurança.
O corpo continua em pedaços.
A mãe está acordada
E pronta
Para a primeira repreensão do dia.
Atraso.
Você vai prejudicar todos na casa.
Considera a possibilidade
De não sair.
O cansaço pesa,
Mas o medo de estar só
Por tantas horas,
Pesa mais.
Você sabe que não pode mais dormir.
Então, levanta.
Numa pressa de quem não tem
Forças para viver.
Toma um banho.
O saco de ossos, agora limpo,
Arrasta-se pela casa
E quando pronto sai,
Não vê o dia.
Parece não estar ali,
Não ser real.
Permanece a sensação
Que tem-se ao viver
Um ato de violência:
A enorme distância que existe
Entre uma mente doente
E milhares de sombras transitando
Num mesmo espaço.
Seres, talvez.
Você não se dá conta.
Consola-se na ideia de muito em breve
Estará a salvo de novo,
Mas não se lembra do que é
Estar em segurança.
O eco do medo te persegue
Durante todo o dia.
Às sete e vinte e sete da manhã,
Você se pergunta se doi morrer.
Se não fosse esse medo,
Você não estaria mais aqui.

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