terça-feira, 22 de janeiro de 2013

O branco entre a vírgula e o ponto.

     Eles estavam longe de tudo. Longe da vida normal. Longe das preocupações cegas de quem sofre diariamente com o ser frustrado. Mas, não só nesse momento, era a vida perfeita. Era a relação perfeita. Confissões, olhares, conhecimento. A ausência da armadura reluzente fazia a poesia abstrata. A cumplicidade era não só essencial, mas absurdamente verídica. A compreensão permanente do indefinido. Eles estavam juntos e a sós. Acompanhados somente pelos pensamentos lidos e pela bela monotonia entorpecente.
     Em algum momento de anomalia, suas mentes desconectaram. Ela estava só. Ela e seus pensamentos, novamente. Ah, fazia tempo. Fazia bastante tempo. Era bom estar só, como era bom estar acompanhada. Ainda entorpecentemente estranho. Ela finalmente observou o nada incomum, e teve sua própria análise. Desenvolveu. Depois de muito sentir e pairar na paz temporária, havia algo novo, que palavras ainda não podiam materializar, nem transferir. Era estranho desta vez estar fora da poesia e do amor. Era estranho estar desacompanhada dessa vez. Criar e tentar degustosa e sacrificantemente decifrar e compreender. E então ela percebeu como o chá lhe fazia falta. E a nicotina? Ah, meu Deus, a nicotina. Como ela fazia falta. Seus devaneios também. Que nostalgia absurda! Assustou-se. Teve a ânsia tola de voltar a ele e reconectar cegamente sua mente ao seu amor hipnótico. E se ele também fosse capaz de degustar a liberdade? Era isso que ela costumava ser. A liberdade e o tudo. E o nada era porque ele não era presente. Mas ele também tomou o tudo. Ela era paz, instabilidade e arte. Ela costumava ser gramática. Porque sabia desde sempre que era da gramática que surgia a interpretação. E era da gramática, que surgiam os sentimentos. Porque sem gramática, quem seríamos nós? A compreensão é tudo. É o ser. É o pensar. E pensar é fundamental, ela sabia.
     Ela não voltou a ele. Não o abraçou apavorada e repetiu que o amava, intensa, sufocada e obsessiva. Ela apreciou seu vestígio visível de maturidade e se permitiu recuperar um pouco do passado. Papel. Ela ainda carregava. Desde seu passado carregava aquela esperança intensa do futuro. Que o presente preencheria com tinta, grafite e memória. E enigmas. Despejou sobre o caderno tímido e abandonado, que sutilmente sorria ao refletir no branco, a luz de sua mente acelerada. Despejou toda a sua compreensão, cuidando para que fosse desafiador compreender suas próprias observações, no retorno planejado. Em sua liberdade absoluta, citou-o entre as palavras. Citou-o em vírgulas, pontos e espaços. E isso significava claramente, mesmo que fora de sua percepção, que não era necessário dizer a ele, mas que ela não iria a lugar algum. A liberdade estava ali, e ele não era capaz de interferir. Era o momento certo. O auge da satisfação da vida. A evolução se comprovava ali naquele instante. Autoestima não seria uma palavra suficiente. Ela não era poesia em palavras sólidas. Ela era poesia no ser. E ela foi desde aquele instante. Apenas foi. E era exatamente o que ela queria se permitir. Ser.

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