sexta-feira, 2 de maio de 2014

Como você se chama, Talita?

Me sento na janela, como ela tinha o costume de fazer. A noite é fria. Só tem eu aqui. Preciso lidar com essa ideia de que tudo que eu sabia sobre ela não é mais definitivo. Mais do que independente, agora ela é real. Ela tem o próprio nome, tem os próprios pais, o próprio útero e um amor cujo nome já deve ter sido escalado para representar seu redentor. Não consigo me dissociar da história, e um bom escritor talvez precise fazê-lo. Estou reamente muito só nessa noite de inverno.

Há uma espécie de fascinação desesperada. Uma vergonha de existir do lado dela. Um medo de que qualquer toque a desfaça em pó. Ela se diz forte. Talvez seja mesmo, mas até que ponto? Talvez ela seja mesmo corrosiva, como se diz, e como se dizia Talita. Talita, minha musa inspiradora. Não consigo mesmo agir normal ao lado dela. Eu tento. Não consigo não sentir essa coisa, esse sentimento de ter encontrado algo muito valioso. Eu fico a observando apavorada. E só de pensar nisso me arrepio, perco a fala. Já nem sei mais como se bombeia sangue ao resto do corpo. Como se aspira oxigênio.

Socorro, socorro. Eu queria beijar os pés dela. Mas se ela soubesse poderia ter medo, ou me pisar. Quem não gostaria de pisar em alguém que quer lamber seus pés, não é mesmo? E ainda sim eu sou capaz desse absurdo de esquecer de vez em quando das minhas vontades mais insanas. Aquele romance escrito em infinitos textos, em infinitos papeis. Ele me afoga.

Ela tem seus pulsos, Talita. Ela tem seus pais. Ela tem suas vontades, suas palavras. Ela tem o seu olhar. Ela tem o seu fogo, e a sua selvageria. Ela tem sua escuridão, e ela tem o seu passado. Ah, meu deus, Talita. Como é que eu vou resistir a essa história? Eu preciso estar ao lado dela. Como uma sombra estaria sempre ao lado de um assassino. Como uma sombra estaria sempre ao lado de um moribundo. A sombra não depende de nada para estar ali contigo. Ela só te segue a todo lugar. Incondicional. E... E eu quero escrever sobre ela. E ela gosta disso. Você vê que Miguel se perde nisso tudo? É impossível não reescrever mil maneiras de viver essa loucura.

Já me imaginei na cama com ela, Talita. Mas isso fica entre a gente, tudo bem? Isso é tudo uma grande bobagem sem tamanho. E eu me digo sempre pra fugir para bem longe, até desaparecer. Eu queria desaparecer. Eu estou com muito medo dela, Talita. Mas eu não tenho medo de você. Eu tenho muito medo de mim. E das minhas esperanças.

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