sexta-feira, 16 de maio de 2014

Falta norte

O cachorro foi-se embora porque preferia outra. Aliás, cachorro não. Um gato. Que gato ele era mesmo. E não era só eu que achava. E gatos sempre me esnobam. É a vida. O que é que eu ia fazer? Ele foi lá ficar com a garota. Que garota chata. Nunca fui com a cara mesmo. E nem tô falando isso por inveja, eu não ia com a cara mesmo. Uma antipatia natural. Ele foi-se lá com ela. Foi desmoronando meus castelinhos frágeis de esperança. Foi-se outro.
Uns dois onde eu já tinha depositado um pouco mais também se foram. Um deles de uma maneira terrível. Ora, mas que ódio. Foi com uma vaca sádica. Mulheres, sempre me dando problemas, não é mesmo?
E a última? Aquela pobre coitada. Só me surge com problema. Como se eu já não tivesse os meus. Já não me basta ter raiva da felicidade alheia, eu ainda me sinto culpada sempre que alguém não está feliz. Uma otária, certamente. Ou no mínimo uma tola. Tolíssima. Uma tonta incoerente.
Como se tivesse algo mais a ser feito. Mas meus pretextos são insanos. Eu só tenho esperanças quando estou só, quando transito nua pelas ruas atropeladas. Só tenho alguma paz com o meu cigarro nos lábios. Com os ouvidos trancados, com a minha veia aberta e minhas lágrimas nos olhos. Não dá pra acreditar nos seres humanos, não é mesmo? Não quando eles deixam de ser imagens para se tornar reais.
Se eu fugir eu vou acabar no mesmo lugar, dentro de mim. Se eu correr, e for atrás de alguma coisa, de alguém-coisa, eu vou acabar só. Vou voltar pro meu caminho. E todos os desvios acabam num retorno pro meu beco sem saída. Não há trepada que me salve dessa morte. Não há rebeldia que me arranque essa sorte. Não há mente sã no mundo capaz de me reorientar.
Aos estudos acabo infeliz. Aos amigos acabo tonta. Acabo acorrentada. Às sombras acabo fodida e arrebentada. Aos cigarros acabo melhor que em todos os outros estados, mas quem é que me salvaria daquela maldita dor de cabeça? Falta norte, falta norte. Se eu soubesse o que é o novo talvez pudesse me livrar de mim.

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