segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Parede, Fogo

Você se senta.
A garrafa cheia,
Tampa sobre a mesa.
Você repousa o copo,
Pega a garrafa.
E começa a entornar o líquido
Dentro do copo.

Você se cala.
Chega a ser ridículo pensar
Que eu nunca te esperei esse silêncio.
Talvez eu seja
Demasiadamente estúpida.
Mas há algumas coisas que sei.

Você toma a primeira dose
E a segunda,
E a terceira,
E a quarta.
Você bebe uma atrás da outra,
Já está na metade da garrafa
E nem se importa.
Essa vodca barata
Não faz passar o que você sente.

Eu escuto o seu olhar
Não dirigido a mim
Em nenhum momento.
Eu posso senti-lo
Pousar inerte sobre a parede verde.

Você ouve músicas
Das quais não gosto
No último volume,
Mas não é suficiente
Pra fazer parar.
Não é.

Você mente.
Você não diz que está melhor,
Apenas espera que o seu silêncio
Seja interpretado dessa forma.

Você tenta não pensar sobre isso,
Sobre coisa alguma,
Mas acha que se não disser,
Talvez você tenha alguma chance.
Não tem.
E você sabe disso.
Você tenta esquecer.

De súbito, acende mais um cigarro,
Porque está lembrando, está lembrando,
Precisa consumir alguma coisa,
Precisa queimar, sugar, apagar a própria alma,
Matar os próprios pensamentos de câncer,
Você sente o desespero e precisa contê-lo.

Você precisa de silêncio.

E assim, deixa de ser quem é.
Torna-se mesa, cadeira, chão.
Torna-se parede. Verde.
Cinza, preta, branca,
A cor que for.

Torna-se a inércia do objeto, garrafa.
Você já está quase no final,
Já nem se lembra do copo.
Cinzeiro cheio, está prestes a desabar,
Não tem mais nome, endereço.
Não tem mais dor ou culpa,
Pois não tem identidade.
Não ouve, não vê, não sente,
Não existe.

Você bebe e fuma até morrer.
E repete o processo. E repete.
Você não pode acabar com tudo.
Então apenas esquece.
Insiste em esquecer e esquecer.

Você me esquece.

E enquando eu escuto, escuto, escuto
O eco das coisas que você tentou extrair,
Enquanto você nem sabe que possui voz,
Nós morremos.
Não só você, nós.

Se você é o fracasso que se cala,
Eu sou o que se manifesta.
Maior tua dormência,
Incrível meu excesso.
Transbordo, copo, cinzeiro.
Acesa, queimando, ardendo, sendo.
Vivendo todos os dias.

Sóbria, só,
Em autocombustão.

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