quarta-feira, 1 de junho de 2016

Mariana, não, Alice

Cismei com duas gotas de sangue
Que não me tirei
Sabia falar sobre dor apenas
Sobre como doía ser, não ser,
Amar e desamar e sonhar de madrugada
Eu só sabia lembrar
De coisas de lá do fundo de mim
Da minha empatia aos miseráveis
Da minha melancolia feia
Da realidade incômoda das coisas
E a solidão
A solidão que tudo atinge
Que a todos abraça
A solidão que só nos pode sufocar
Se tentarmos debilmente fugir
Eu estava tentando aceitar
Cada uma das minhas dores
E o silêncio
Mas era muito difícil estar em silêncio
Por mais que da dor eu já soubesse
Eu estava em guerra comigo mesma
E me deixar perder
Não era tão fácil assim
Mas era a única maneira de acabar com isso
Eu disse:
Me machuque,
Eu cansei de lutar
Dentro de mim eu assistia o estrago
Um terremoto
Que deslocara minha casa de lugar
E um casal de estranhos me agredindo
Eu precisava salvar o indefeso
Responsável por mim
Eu queria ser poesia
Eu queria ser poetiza
Mas nada disso me cabia
Tudo que eu sabia era sofrer os outros
E era pouco perco de quem realmente sofre
Eu só podia sentir o tanto que encostava
No caminho, na esquina, nos olhos
Eu era pouco, tão pouco do mundo
E estava sempre a ponto de transbordar
Como o menor dos frascos
Eu sempre derramava antes de arrebentar
E continuava testando minha resistência
Queria ser bela
Queria ser pura
Como os copos de leite elegantes
Que eu não faço ideia de onde vêm
Queria ser branca, verde,
Queria ter o aroma de um capim-limão
Mas toda a minha existência
Era corrompida
Pela raiva e pelo medo
Pela indignação e a covardia
Eu era quase tudo
Que eu não deveria ser
E quase não era nada
Do que deveria ser
E não adiantava teimar categoricamente
Em atos que sempre sairiam distorcidos
Às vezes é preciso negar-se
Disciplinadamente
Para ter alguma dignidade
Em estar no mundo
Meu corpo havia adoecido
E a minha mente
Enquanto o primeiro curava-se
Com a bondade do outro
Eu precisava adoecer o espírito
Com todas as cruezas do mundo
Para que não fosse trem descarrilhado
Para que fosse de fato humana
Alguém além de Alice e Mariana
Para que fosse eu

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