segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Conte de fées

O mundo parece irreal.
O cheiro da chuva desnorteia os meus sentidos.
Há um lago se formando na minha  rua.
As saudades que eu sinto agora
Não inofensivas como as saudades
Que eu senti pela manhã.
Tudo se inverte.
De uma hora pra outra,
Eu já não estou pedindo que minha vida atarefada retorne.
Eu quero que esta paz nunca acabe.
Se eu trabalhar vez ou outra, essa não deve ser minha vida.
Eu não quero ser melhor que ninguém.
Eu não quero ser "bem sucedida".
Uma profissional admirável, invejada.
Eu não quero estudar na melhor faculdade,
Tirar as melhores notas, ganhar o melhor salário.
Eu não quero ser reconhecida pelo meu trabalho.
Eu quero ser conhecida, de verdade.
Eu quero ter amigos, ser amada, ser divertida.
Eu quero que as pessoas possam contar comigo.
Quero uma vida íntima, quero poder sair e falar sobre tudo.
Eu não quero a vida que os adultos esperam de mim.
Quero ter uma grana, pintar minhas telas,
Conseguir ser minimamente dona da minha vontade.
Quero poder ser espontânea, viver aventuras estúpidas,
Ficar em casa durante todo o fim de semana.
Eu quero ser digna de mim mesma.
Preciso de uma identidade.
Eu não vou fazer o que me pedem.
Eu não vou cobrar de mim algo que não sou.
Eu vou ser peculiarmente mediana.
Ordinária, comum, medíocre.
Eu vou tirar as notas que preciso, arrumar um emprego,
Sem compromissos eternos com carreira.
Eu vou viver os relacionamentos que forem necessários,
Sem precisar ser a pessoa perfeita todas as vezes.
Sem precisar ser maravilhosamente bonita
Para desconhecidos me admirarem na rua.
Isso não faz sentido.
Eu não quero ganhar um troféu.
Eu não quero representar uma marca.
Eu não gosto de competições.
Eu prefiro quando alguém sorri e diz que pode contar comigo.
Esse é o meu presente, a minha dádiva de Deus.
Estar ao lado de alguém, é tudo que eu quero.
Eu não devo nada a ninguém.
Eu não preciso ser a mais ética, a mais correta,
A mais doente, a mais escrota, a mais sofrida,
A mais esperta, a mais gostosa, a mais bonita,
A mais divertida, insubstituível ou incomum.
Eu só quero ter o direito de existir.
Eu não devo nada a ninguém.
Eu só preciso sobreviver, e buscar um pouco de felicidade.
É isso, tudo ou nada, me esforçar todos os dias, ser grata,
Me buscar em todos os cantos e em todas as pessoas,
Contatos, passeios, céus, é isso.
Eu preciso me construir como uma nova cidade,
Prestes a ser habitada por pessoas inacreditáveis.
O mundo parece irreal, como se fosse todo meu.

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