quarta-feira, 25 de março de 2015

Sorvete

Me fala da sua mãe,
Fala dos teus cigarros.
Insiste neles,
Reforça a tua obsessão.
Me fala em cocaína,
Me fala de Big Apple,
Smirnoff, baseado.

Me fala da tua raiva, 
Da tua tristeza.
Me fala de suicídio.
Não, de suicídio não.
Acho que ainda não tô pronta.

Some.

Volta.

Me fala dos meus defeitos,
E das tuas qualidades.
Me fala dos teus defeitos,
E das qualidades alheias.

Me fala das músicas chatas que você ouve.
Não se sinta ofendido com isso.
Ou sinta-se. 
Briga comigo. 
Me faz ter raiva de tudo.
Me faz chorar escondido.
Ninguém precisa saber,
Nem você.

Me fala de todas as coisas,
De todos os alimentos.
Me fala de romance,
E de tudo que não é sexo.
Mas não venha me falar de sorvete.
Qualquer coisa, menos isso.
Nunca me fale de sorvete.

Não me fale sobre como doi a garganta
Ou sobre como você pegou esse resfriado.
Não me fale sobre como às vezes gruda na língua e arde,
E incomoda.
Não me fale das suas enxaquecas.
Não me fale sobre como você lambe 
Essa bola de lama congelada
Em cima da casquinha.

Não quero saber.
Eu viro alérgica,
Viro diabética.
Intolerante a lactose.

Prefiro anorexia amorosa
A ter que te ouvir falar sobre sorvete.

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